O governo apresentou em fevereiro, com pompa e circunstância, o programa Mais Habitação (P+H) como resposta à insuportável crise da habitação. Foi apresentado um conjunto de medidas, desconexas e pouco eficazes, vertidas em PowerPoint composto de frases feitas e chavões para definir assuntos complexos. Um mês depois, Marcelo sinalizava já os riscos de discurso excessivamente otimista, de expetativas elevadas para o prazo, os meios e a máquina administrativa disponíveis. O chefe do Estado dava, assim, conta em março do possível irrealismo nos resultados projetados.
Com o programa aprovado no Parlamento, ignorando a maior parte das propostas da oposição, foi descartado o desejável acordo de regime sobre habitação que tornou inevitável o veto político do Presidente da República, que considerou o diploma “manifestamente insuficiente” sem uma base de apoio necessária para uma reforma na habitação.
Marcelo expôs os vários motivos pelos quais decidiu vetar o pacote Mais Habitação, apontando, curiosamente, sete razões, numa espécie de sete pecados capitais em jeito de riscos que são potencialmente letais para a eficácia das medidas propostas pelo governo. Defende que, com este diploma, “não é fácil ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”. Deita assim por terra o choque rápido proclamado pelo governo para acorrer à emergência da crise habitacional até 2026 – termo da legislatura – com os bondosos argumentos de travar a vertiginosa subida do custo da habitação, enquanto se esperava que os juros do crédito imobiliário cessassem a sua asfixiante subida.
Como primeiro pecado mortal, o Presidente da República considera que, salvo de forma limitada, o Estado não vai assumir responsabilidade direta na construção de habitação. No cardápio dos riscos sinaliza ainda que o uso de edifícios públicos devolutos, ou de prédios privados adquiridos ou contratados para arrendamento acessível, implica uma burocracia lenta e o recurso a entidades assoberbadas com outras tarefas, como o Banco de Fomento, ou sem meios à altura do exigido, como o IHRU. E não acredita que o Estado tenha capacidade para gerir o arrendamento forçado, que fica reduzido a um emblema meramente simbólico.
A complexidade do regime de alojamento local (AL) é apresentado como o quarto pecado capital, pois torna “duvidoso” alcançar com rapidez os efeitos pretendidos. Juntam-se ainda a dificuldade em recuperar a confiança perdida por parte do investimento privado – quinto pecado, explicado pela arrogância na defesa de medidas que tiveram de ser corrigidas no arrendamento forçado e no AL. E a ausência de novas medidas, de efeito imediato, para responder à asfixia das famílias com os juros, que se estende também às rendas. Last but not least, a inexistência de acordo de regime até 2026. Para o sector, o veto político sabe a pouco, porque o diploma regressa ao Parlamento e vai voltar a ser aprovado. Mas os sete pecados mortais estão identificados. Sobre o governo e o PS vai pairar a nuvem presidencial que aponta para a falta de credibilidade e ambição do pacote da habitação.