Os guardiões

das causas

Não há nada que faça sentir-se tão bem alguém que defenda genuinamente uma causa do que ela se tornar popular, sendo originalmente minoritária. Tive a sorte de já ter passado por esse processo algumas vezes nos últimos anos e é um sentimento de realização que compensa tudo o que de mau a actividade política traz à vida de alguém.

No entanto, nem todos os defensores de causas ficam satisfeitos quando elas se tornam populares. Os guardiões das causas, apesar de as defenderem, muitas vezes contribuem activamente para elas se manterem minoritárias. Os guardiões das causas dividem-se entre os puristas e os oportunistas.

Comecemos pelos puristas. Os puristas são aqueles que defenderam as causas originalmente porque as sentiam com mais força. À medida que a causa se vai popularizando, as novas pessoas que aderem a ela são menos perfeitas na adesão e menos coerentes na sua defesa – uma parte natural do processo de popularização de uma ideia. Mas, para um purista, ter alguém 90% alinhado com uma causa não é suficiente. Para esse, só há duas posições: ou 100% ou nada. Se muitos se alinharem com uma causa a 90%, o purista fará da sua luta de vida os 10% restantes, sem nunca se congratular pelo facto de tantos terem passado de 0% para 90%. Quando uma causa é dominada por puristas, rapidamente se divide em grupos que a defendem a 90%, 95%, 99,9% e 100% (estes dois últimos grupos tendem a ser particularmente truculentos nas suas disputas). Focando-se mais nas diferenças do que nas semelhanças, os puristas podem, a prazo, tornar-se grandes inimigos da proliferação das causas. Ainda assim, é um grupo que merece respeito e compreensão porque, apesar de tudo, o fazem por convicção.

Muitas vezes disfarçados de puristas, há um outro grupo de guardiões das causas muito pior: os oportunistas. Os oportunistas são aqueles que não querem servir a causa, mas servir-se dela. Aqueles cuja vida, status social ou valia política dependem exclusivamente de serem vistos como defensores exclusivos de uma causa. Uma causa consensual, com muitos defensores, retira-lhes mercado, oportunidades de protagonismo e de aproveitamento político. Por isso, os oportunistas das causas passarão boa parte do seu tempo a demonstrar que a causa é minoritária, a excluir outros defensores. Enquanto alguém que defende genuinamente uma causa tentará encontrar o maior número de aliados (mesmo que não sejam, aos seus olhos, perfeitos), os oportunistas das causas passam a vida a buscar inimigos. Qualquer deslize (verdadeiro, empolado ou fabricado) serve para os oportunistas das causas erguerem as tochas e sinalizarem a sua virtude pela exposição da imperfeição alheia. As redes sociais dão um excelente palco a todos os oportunistas das causas, até ao dia em que os próprios acabam apanhados nas suas imperfeições e hipocrisias.

Os guardiões das causas, seja por purismo, seja por oportunismo, acabam muitas vezes por se tornarem os seus piores inimigos. A linha diferenciadora entre quem quer servir uma causa ou servir-se dela é perceber quem se esforça por procurar aliados e quem se esforça por inventar inimigos.

Deputado da Iniciativa Liberal

Carlos

Guimarães Pinto