OPINIÃO. Tecnologia e legislação a duas velocidades: O futuro dos veículos autónomos
“Legislação urgente precisa-se: os acidentes com este tipo de veículos continuam a ocorrer, somando-se mais um, no passado dia 18 de abril de 2021, desta vez fatal”.
Em 2004, os primeiros veículos autónomos (VAs) eram colocados à prova, no primeiro DARPA Challenge (Agência Americana Especializada em Projetos de Investigação em matéria de Defesa) no deserto de Mojave, nos EUA. Do deserto às complexas estradas urbanas, passaram-se mais de dez anos de contínua investigação antes que, efetivamente, se começasse a discutir legislação sobre esta tecnologia.
Foi apenas em 2017 que a Comissão Europeia começou, timidamente, a pronunciar-se sobre a temática. Nestes últimos 4 anos, contudo, tem sido uma preocupação assídua, com alguns veículos já em nível 3 de autonomia na classificação da SAE International – veículos semiautónomos, que conduzem sem que o condutor tenha o controlo do mesmo, em certos casos, como autoestradas – a circularem nas estradas europeias. São exemplos de iniciativas The revolution of driving: from Connected Vehicles to Coordinated Automated Road Transport (2017), A common EU approach to liability rules and insurance for connected and autonomous vehicles (2018), Ethics of connected and automated vehicles (2020), e Cybersecurity challenges in the uptake of Artificial Intelligence in Autonomous Driving (2021). As preocupações principais são nítidas: ética, segurança na estrada, cibersegurança e distribuição da responsabilidade.
Sob estas orientações, alguns países europeus têm tomado a dianteira desta tecnologia, tais como a Alemanha, França e Itália. Os países de Língua Oficial Portuguesa, contudo, têm ficado atrás nesta corrida – o único que aparece no índice de nível de preparação em relação a VAs (da KPMG) é o Brasil, classificado em último lugar na tabela.
A Alemanha apresentou, em fevereiro deste ano, uma proposta legislativa sobre o tema, que prevê, já, um enquadramento legal para VAs no nível 4 e 4+ de autonomia. Esta é, na Europa, a primeira iniciativa concreta para enquadramento legal de veículos totalmente autónomos, sem ser em condições de teste. Para além de definir requisitos técnicos obrigatórios à circulação de VAs apresenta, pelo menos, três medidas disruptivas:
a. a obrigatoriedade de licença específica para operar na Alemanha;
b. a aprovação estadual das áreas onde estes podem circular, já que os VAs dependem, em larga medida, dos seus sensores, e se as estradas não apresentam certas condições mínimas, não conseguirão obter a informação necessária para um funcionamento adequado;
c. a introdução da figura do supervisor técnico, que se trata da pessoa singular, responsável por garantir que a lei aplicável aos VAs se encontra a ser cumprida a todo o momento. Terá responsabilidades tais como a ativação de manobras de condução alternativas, incluindo desativação imediata da condução autónoma em caso de problemas técnicos e a monitorização e análise dos dados partilhados entre veículos.
Apesar de disruptiva o certo é que esta é uma iniciativa criada no “vácuo”, na medida em que, aos dias de hoje não temos, ainda, veículos totalmente autónomos a circular. Sendo uma lei antecipativa e preventiva, resta saber se marcará a tendência pelo mundo fora, e se, na prática, se adaptará à realidade que prevê. Em todo o caso, legislação urgente precisa-se: os acidentes com este tipo de veículos continuam a ocorrer, somando-se mais um, no passado dia 18 de abril de 2021, desta vez fatal.
*Associada da JALP – Associação Internacional de Jovens Advogados de Língua Portuguesa (Direito Digital, Privacidade e Cibersegurança)