OCDE alerta: Prevenção em saúde tem tido pouco investimento em Portugal

Portugal é o quarto país com o menor gasto ‘per capita’ em programas de prevenção em saúde e que o peso do investimento em prevenção nos gastos em saúde está abaixo da média da OCDE.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económica (OCDE) chama a atenção, no último relatório, para o investimento em programas de prevenção em saúde em Portugal, sublinhando o curto financiamento que têm tido ao longo dos anos.

Num relatório sobre o desempenho económico de Portugal perante os atuais desafios globais e domésticos, divulgado na semana passada, a OCDE lembra os programas prioritários da Direcção-Geral da Saúde virados para a prevenção e promoção de hábitos de vida saudáveis, mas sublinha que não têm recebido o devido financiamento a médio prazo.

Como exemplo, aponta o Plano de Saúde Mental, datado de 2008, que “nunca foi completamente implementado”.

Diz que antes da pandemia os gastos em programas de prevenção organizados eram baixos e já estavam a cair, mas reconhece que as taxas de vacinação em Portugal são altas e que a campanha de rastreio do cancro de mama atingiu bons valores, apesar do impacto negativo sofrido com as interrupções impostas pela pandemia e das baixas taxas de rastreio do cancro cervical.

Faz alusão à agência para a promoção da saúde que o atual Governo está a preparar e diz que um maior e mais estável financiamento em programas de prevenção deve igualmente ser acompanhado, para se aferir da sua eficácia.

Os dados do relatório mostram que Portugal é o quarto país com o menor gasto ‘per capita’ em programas de prevenção em saúde e que o peso do investimento em prevenção nos gastos em saúde está abaixo da média da OCDE.

O documento lembra que 30% das mortes em Portugal em 2019 podiam ser atribuídas a factores de risco comportamentais, como o tabaco (12%), riscos dietéticos/alimentares (11%) e consumo de álcool (6%) e baixa actividade física (3%).

“Reduzir os riscos comportamentais aumentará os ganhos em saúde, permitirá poupanças significativas a longo prazo e poderá ajudar a reduzir as disparidades sociais”, refere a OCDE, insistindo que o envelhecimento da população e o aumento do risco de doenças crónicas torna o reforço nos cuidados de saúde primários e na prevenção “uma prioridade ainda mais urgente”.

Portugal deve apostar forte na prevenção em saúde
O investigador Miguel Gouveia defendeu hoje que Portugal deve inverter a tendência dos últimos anos e apostar forte na prevenção em saúde, sublinhando que o envelhecimento da população se sobrepõe à inovação terapêutica e aos desenvolvimentos científicos.

Lembrando que as doenças cardiovasculares se agravam com o envelhecimento, Miguel Gouveia estima que os problemas de aterosclerose façam perder mais de 260 mil dias por ano (dados de 2016) e tenham um impacto económico anual a rondar os dois mil milhões de euros.

Questionado sobre o impacto atual, justificou a dificuldade de fazer estudos mais recentes com o atraso na divulgação dos dados pelos hospitais.

O especialista, que falava à Lusa a propósito de um encontro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, na sexta-feira, no Centro Cultural de Belém, em que abordará o impacto económico e para a população das doenças cardiovasculares, as que mais matam em Portugal, sublinhou que, mais do que a mortalidade da doença, “é importante olhar para o impacto dos anos de vida perdidos (por morte prematura ou por se viver com incapacidade)”.

“A mortalidade é uma péssima medida para medir a importância de uma doença”, afirma o investigador da Universidade Católica Portuguesa, exemplificando: “uma das grandes pragas que temos neste momento é a área da saúde mental, pois doenças como a depressão, em termos estatísticos [no caso da mortalidade], não tem relevância, mas tem um impacto e enorme na saúde da população”.

O investigador, que fez diversos estudos sobre o impacto das doenças cardiovasculares – na saúde da população e em termos económicos -, lembrou que, com uma população cada vez mais envelhecida, é natural que haja mais doença cardiovascular.

Um estudo em que participou que foi publicado em 2019, com dados referentes a 2016, concluiu que se tinham pedido nesse ano quase 261 mil anos de vida por causa da doença circulatória relacionada com problemas de aterosclerose, sendo que cerca de 25% foi por incapacidade.

Explicou que, além da carga da doença, também mediu os custos para o sistema de saúde (directos) e em termos de produtividade perdida devido ao absentismo e às saídas precoces do mercado de trabalho (indirectos), tendo concluído que rondavam os dois mil milhões de euros.

“Claro que tem havido inovação terapêutica e uma melhoria nos desenvolvimentos científicos na medicina, e isso tende a reduzir estes problemas, (..) mas a sensação que tenho é de que o envelhecimento da população se sobrepõe ao resto”, afirmou, insistindo que, com a covid-19 e o facto de o SNS se ter descentrado de outros problemas de saúde, houve agravamentos em várias doenças.

Apontando a tendência demográfica portuguesa, Miguel Gouveia disse que o expectável é “um agravamento quer da carga da doença, quer dos custos da doença ao longo do tempo”, insistindo no reforço do investimento em prevenção.

“Devíamos investir bastante nos vários níveis de prevenção”, afirmou, referindo-se à prevenção primária (para evitar que se fique doente), secundária (para quem já teve doença) e terciária (para, quando as pessoas já estão no hospital, evitar que tenham segundos ataques cardíacos).

“Há uma série de níveis de prevenção em que nós precisamos de investir”, insistiu, lembrando a nota negativa que merece a evolução do investimento nesta área em Portugal.

Recorda que, desde o ano 2000, os programas de prevenção passaram a ter cada vez menos peso nos gastos em saúde, exemplificando: “No ano 2000 estávamos a gastar 2,5% de todas as despesas de saúde em programas de prevenção e, agora, estamos quase em 1,5%”.

“Há áreas da prevenção que nós precisamos de recuperar”, insiste, defendendo que, “com as famosas contas certas”, o que os governos fizeram foi “cortar no investimento” e recordando: “A prevenção em saúde é exactamente um investimento”.

“É altura de começar a ver que, provavelmente, temos que retroceder caminho”, conclui.