Recentemente, ao abrir o telemóvel, flashou-se-me a notícia de que militares da Guarda Nacional Republicana tinham resgatado um melro que “visualizaram dentro de uma gaiola”, no decurso de uma operação de fiscalização de limpeza de terrenos. O resgate ocorreu um dia depois da mais divertida comemoração parlamentar do 25 de Abril e a notícia vinha com algum detalhe. A dita gaiola pertencia a uma senhora idosa de 72 anos, de Castelo Branco, cuja etnia não foi, prudente e ajuizadamente, revelada.
A operação deve ter sido complexa. É que escolher acudir ao melro, cujo grasnado se assemelha ao aflitivo “ó da guarda”, em vez de assinalar alguma mancha de terreno mal limpa, é temerário. Mas, enfim, uma vez mais, os militares da Guarda cumpriram. Presume-se que um deles tenha facilmente conseguido anular a idosa, aplicando-lhe uma coima que, segundo a notícia, ascende a exactos 7.764 euros. Um outro militar terá sido eficaz a abrir a porta do cárcere do Turdus merula, que é o nome do melro, e mais alguém terá prestado os primeiros socorros e o devido acompanhamento psicológico à ave.
Ainda segundo a notícia, o dito melro acabou por ser encaminhado para centro de reabilitação, provavelmente especializado em aves traumatizadas por cativeiro de senhoras idosas. Tudo teve um bom fim e está de parabéns o Comando Territorial de Castelo Branco não só pelo êxito da operação mas, sobretudo, pela sagacidade de divulgar tão galhardo feito, com inexcedível competência mediática. Doravante, as idosas de Castelo Branco pensarão duas vezes antes de intentarem confortar a sua solidão com um grilinho que seja, a trinar-lhes nocturna serenata, em esconsa caixa de fósforos.
São bons tempos, estes, para os melros, principalmente os de Castelo Branco. Não há quem os agarre e também não há quem os queira em cativeiro, com excepção das senhoras idosas, claro.
Um dia, um desses albicastrenses melros arribou à capital, poisando directamente no conforto dos assentos de São Bento. De São Bento esvoaçou para Paris e de Paris regressou, numa funesta arribação, à sua terra natal, acabando engaiolado em Évora. Visitaram-no, em procissão, alguns outros melros, talvez saudosos, ou invejosos, quem sabe, da habilidade com que o melro de Castelo Branco surripiava uvas da vinha comunitária.
Liberto por fim da clausura de Évora, o melro de Castelo Branco achou-se na Ericeira, de onde, em tempos, D. Manuel II, o herdeiro de um reino amortalhado, partira para o exílio. A barca que conduziu D. Manuel II até ao seu iate real, que posteriormente o levaria a Gibraltar e a Inglaterra, tinha o nome de BomFim. E continua a existir na Ericeira essa tal barca BomFim, seja para proscritos, seja para prescritos.
Quanto à idosa de Castelo Branco, o azar foi o de ter adoptado um melro. Tivesse tido ela, a idosa, a ventura de ser a própria mãe de um dito cujo, as coisas certamente haveriam de lhe correr melhor. É que esta é uma terra onde a justiça tem a elegância de andar vendada por intrincada renda de bilros.