Só conseguimos ver aquilo que está à nossa frente. Nesse sentido, conhecemos o passado, porque o vemos diante de nós; já o futuro, esse é desconhecido, pode ser especulado, às vezes mais ou menos previsivelmente, mas não o podemos conhecer com certeza – só passaremos a conhecê-lo quando estiver à nossa frente, quando se tornar passado. Por isso, ao contrário do que se possa julgar, aquilo que está atrás de nós é o futuro e não o passado.
Mas especulações sobre o que vai acontecer são legítimas, até mesmo necessárias. Os padrões que descobrimos no passado oferecem-nos expectativas para o que ainda está por acontecer.
As recorrentes crises económico-financeiras que se têm sucedido nos últimos cinquenta anos, como a crise do subprime em 2007, ou a crise dos mercados emergentes em 1994, ou a crise do petróleo de 1973 têm, cada uma, as suas peculiaridades, mas unem-se também pelas suas semelhanças. Contudo, como é próprio da natureza humana, tende-se a sublinhar mais aquilo que é diferente do que aquilo que é igual.
Neste sentido, no que toca a todas estas grandes crises, conseguimos identificar rapidamente um traço comum – a sua origem: uma quebra da procura que, afectando a estabilidade dos mercados, aniquilou o que restava da sustentabilidade das contas públicas nalguns países.
No entanto, desta vez, a pandemia decidiu romper com este padrão. Atacando directamente as chamadas cadeias de valor globais, quer através de paragens súbitas na produção nos países de origem dos bens transacionados, quer pelo desmembramento de vias e meios de transporte, quer pelo fecho dos locais de distribuição pelas autoridades, a crise económica que veio com o Covid-19 despoletou do lado da oferta, e não da procura.
Por isso, desta vez, devemos esperar consequências económicas divergentes dos efeitos causados pelas crises anteriores que, por sua vez, se caracterizaram pela ameaça deflacionista, de descida generalizada e perigosa dos preços.
A mais famosa receita escolhida para resolver quebras na procura passou por adoptar políticas monetárias expansionistas. Injectando-se dinheiro na economia, estimulava-se a actividade económica e pressionava-se uma subida dos preços.
Na zona euro, as políticas monetárias expansionistas conjugaram-se com uma outra vantagem. Na crise anterior, a compra de títulos de dívida dos países europeus foi um dos principais veículos de injecção de liquidez na economia por parte do BCE. Deste modo, o Banco Central conseguiu não só colocar dinheiro na economia, como também aliviar o pesado fardo das dívidas e défices que os governos europeus (uns mais do que outros) tinham acumulado.
Porém, se uma quebra da procura tende a favorecer uma descida dos preços, por seu lado, uma quebra da oferta tende a favorecer a sua subida. Portanto, as vias de expansão da política monetária trazem ao de cima o cenário de inflação. Uma crise da oferta não se resolve do mesmo modo que uma crise da procura.
Para combater esta crise, os governos têm de reconhecer que o lado da oferta é o lado das empresas. Por isso, o mais urgente é definir políticas que sejam maximamente amigas das empresas, designadamente por via de políticas laborais e por redução de impostos sobre o trabalho.
Será o governo português capaz de assumir o erro dos planos que tem traçado e compreender que a sua missão é ajudar as empresas? Não sei, o futuro está atrás de nós, oxalá que, quando o tivermos diante de nós, vejamos um cenário feliz.
*Economista