Nomes dos ministérios: mudar só por mudar
Desde 1976, os 14 principais ministérios já mudaram 107 vezes de designação. O que implica novo papel timbrado, novos endereços digitais, novas placas de identificação. Como se Portugal fosse um país rico.
Adeus, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, olá Serviço de Estrangeiros e Asilo. Esta foi a mais recente alteração de nome de um organismo público. Novidade? Longe disso. O Estado pode ser lento a tomar decisões, mas não perde uma oportunidade para alterar a designação de uma entidade sob a sua tutela.
Tudo começa nos próprios nomes dos departamentos ministeriais. Desde 1976, os 14 principais ministérios portugueses mudaram 107 vezes de designação. É uma espécie de marca distintiva do regime democrático: quem chega depois, altera o que havia antes – por vezes sob o comando do mesmo partido no poder.
Ao tomar posse no segundo mandato como chefe do XXII Governo Constitucional, em 26 de Outubro de 2019, António Costa foi fiel à tradição.
O ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, tornou-se ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital. A Modernização Administrativa, antes confiada a Maria Manuel Leitão Marques, transitou para Modernização do Estado e da Administração Pública, sob a tutela de Alexandra Leitão. Passou a haver um Ministério do Planeamento autónomo, entregue a Nelson de Souza.
E que mais? Coesão Territorial tornou-se nome de ministério, gerido por Ana Abrunhosa. João Marques Fernandes, anterior ministro do Ambiente e da Transição Energética, passou a intitular-se ministro do Ambiente e da Ação Climática. A nova ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, perdeu a pomposa designação do antecessor, Capoulas Santos, titular do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural. E Pedro Nuno Santos, promovido a ministro das Infraestruturas e da Habitação, viu também alterar o nome da pasta, antes confiada ao ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, agora eurodeputado.
Eis um clássico das remodelações: baralhar e dar de novo. Às vezes até se mantêm os mesmos titulares mas os nomes dos ministérios vão mudando. Com despesa acrescida, inevitavelmente. Cada mudança onomástica envolve novo papel timbrado, novos endereços digitais, novas placas de identificação. Hábitos de países ricos.
Cavaco e Guterres
Quando Aníbal Cavaco Silva cedeu o lugar a António Guterres, em Outubro de 1995, após dez anos como chefe do Executivo, extinguiram-se três ministérios: o do Mar, o da Indústria e Energia, e o do Comércio e Turismo. Foram criados outros três: o dos Assuntos Parlamentares, o da Cultura e o da Ciência e Tecnologia.
Esse Executivo socialista, o XIII Governo Constitucional, alterou as designações de quatro ministérios. O da Agricultura passou a ser bastante mais comprido: Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. O do Ambiente e Recursos Naturais, talvez para compensar, tornou-se mais curto: Ministério do Ambiente, sem mais.
Mais complicada foi a mudança no Ministério das Obras Públicas, que conheceu duas fases: entre 1995 e 1996, designou-se Ministério do Equipamento Social; de 1996 a 1999, denominou-se Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
A mudança foi ainda mais vasta naquele que, durante o consulado de Cavaco em São Bento, era conhecido como Ministério do Emprego e da Segurança Social. As duas áreas desdobraram-se no organigrama governamental de Guterres: de um lado, o Ministério para a Qualificação e o Emprego; do outro, o Ministério da Solidariedade e Segurança Social. A meio da legislatura, em 1997, fundiram-se novamente, desta vez sob um rótulo diferente: Ministério do Trabalho e da Solidariedade.
Do laranja à rosa
Alterar o nome do ministério é quase um imperativo político, embora não conste em nenhum programa eleitoral. Na transição dos três anos de coligações governamentais PSD/CDS para um gabinete socialista monocolor, em 2005, só quatro das 16 pastas ministeriais mantiveram a designação: Justiça, Saúde, Cultura e Obras Públicas, Transportes e Comunicações. As mudanças abrangeram 75% dos nomes de ministérios.
Mas isto não ocorre apenas quando entra um partido diferente no Governo. Esta tendência tão portuguesa de introduzir alterações cosméticas para transmitir a ilusão de mudança também acontece quando o novo Executivo é da mesma cor política. Basta lembrar o que aconteceu na passagem do testemunho de Durão Barroso para Santana Lopes, em Julho de 2004.
O Executivo de Santana só durou oito meses. Tempo que chegou e sobrou para alterar mais de metade dos nomes dos ministérios. O titular da pasta da Economia tornou-se ministro do Estado, das Actividades Económicas e do Trabalho. O da Defesa Nacional ganhou um título ainda mais pomposo: ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar. Ao Ministério das Finanças acrescentou-se a tutela expressa (e também impressa) da Administração Pública.
Não ficaram por aqui as mudanças na transição de Durão para Santana, companheiros de partido. O Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente desdobrou-se em dois: Ministério das Cidades, Administração Local, Habitação e Desenvolvimento Regional, por um lado; Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, por outro.
Ainda nesses oito meses, o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas tornou-se Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas. O Ministério da Ciência e Ensino Superior tornou-se Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior. O Ministério da Segurança Social e do Trabalho tornou-se Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança.
No XVI Governo Constitucional, foi ainda criado um Ministério do Turismo e chegou a ser empossado um efémero ministro da Juventude, Desporto e Reabilitação, cargos inexistentes no anterior Executivo.
Baralhar e dar de novo
Desde a instauração do regime constitucional, em 1976, dois ministérios lideram a lista das mudanças: o da Agricultura e o das Obras Públicas. O primeiro já sofreu 13 alterações semânticas, o segundo viu o nome modificado 12 vezes.
Seguem-se os Ministérios da Economia e do Ambiente – cada qual com dez designações. Nas Finanças, Educação, Trabalho e Mar, nove. Na Cultura, houve sete. Na Administração Interna, quatro.
Neste período, verificaram-se 107 variações nas 14 principais áreas ministeriais (Finanças, Defesa, Negócios Estrangeiros, Administração Interna, Justiça, Economia, Agricultura, Educação, Cultura, Saúde, Trabalho, Obras Públicas, Ambiente e Pescas/Mar).
Um dos mais perduráveis é o dos Negócios Estrangeiros, onde nestes 45 anos só houve três fugas à norma: entre 2002 e 2005 foi conhecido por Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas; de 2005 a 2015, os seus titulares foram antecedidos da designação Ministro de Estado, novamente atribuída desde 2019 ao presente inquilino do Palácio das Necessidades, Augusto Santos Silva.
Ainda mais estável é o Ministério da Defesa Nacional, criado em 1950 e que manteve esta designação mesmo após a mudança de regime político, com a revolução de 1974. Só no período Durão-Santana houve uma pequena alteração: primeiro com a nomeação de um ministro de Estado e da Defesa Nacional, depois ao tomar posse um ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar.
O Ministério da Justiça, assim chamado entre 1934 e 1981, designou-se Ministério da Justiça e da Reforma Administrativa no segundo Executivo de Francisco Pinto Balsemão, que durou de 1981 a 1983, ano do regresso à fórmula original.
O Ministério da Saúde, por sua vez, registou um interregno entre 1974 e 1983, quando se intitulou Ministério dos Assuntos Sociais. Numa altura em que estava na moda o apêndice “social”, como antes do 25 de Abril se usava “nacional” para quase tudo.
Até já houve um Ministério da Criança
Houve em tempos um Governo com um Ministério do Comércio Externo e outro do Comércio Interno. Foi o célebre V Governo Provisório, liderado por Vasco Gonçalves no “Verão quente” de 1975.
Nesse período revolucionário, sucederam-se quatro Executivos com um Ministério da Coordenação Interterritorial, herdeiro do antigo Ministério do Ultramar, com responsabilidades executivas nos antigos territórios entretanto descolonizados.
Mas as designações insólitas prolongaram-se por estes 45 anos de Executivos constitucionais.
O primeiro Governo liderado por Pinto Balsemão, em 1981, teve um Ministério da Qualidade de Vida – recuperado pelo Executivo do Bloco Central, entre 1983 e 1985.
Também em 1981, durante oito meses, houve um Ministério para a Integração Europeia. Vivia-se o período de pré-adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, que viria a concretizar-se em 1986.
Durão Barroso e Santana Lopes lembraram-se de criar um Ministério das Cidades, que vigorou entre 2002 e 2005. Ainda com Santana, existiu um Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança.
António Guterres criou em 1995 um Ministério para a Qualificação e o Emprego, que teve curta duração. Efémera foi também a vigência do Ministério para a Igualdade, pertencente ao segundo Executivo de Guterres.
Nenhum tão curto, porém, como o meteórico Ministério da Juventude, Desporto e Reabilitação, saído da inspiração de Santana Lopes, em 2004: durou apenas oito dias, até à demissão do ministro, Henrique Chaves. Que levaria depois à queda do próprio Governo. Sem reabilitação possível.
Muitos nomes para as Obras Públicas
1976-1978 – Ministério das Obras Públicas.
1978-1981 – Ministério da Habitação e Obras Públicas.
1981-1983 – Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
1983-1985 – Ministério do Equipamento Social.
1985-1995 – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
1995-1996 – Ministério do Equipamento Social.
1996-1999 – Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
1999-2002 – Ministério do Equipamento Social.
2002-2004 – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação.
2004-2011 – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
2011-2015 – [Integrado no Ministério da Economia].
2015-2019 – Ministério do Planeamento e das Infraestruturas.
2019-2021 – Ministério das Infraestruturas e Habitação.
Semear etiquetas na Agricultura
1976-1981 – Ministério da Agricultura e Pescas.
1981-1983 – Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas.
1983-1984 – Ministério da Agricultura, Comércio e Alimentação.
1984-1985 – Ministério da Agricultura.
1985-1991 – Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.
1991-1995 – Ministério da Agricultura.
1995-2004 – Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
2004-2005 – Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas.
2005-2011 – Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.
2011-2013 – Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.
2013-2015 – Ministério da Agricultura e do Mar.
2015-2019 – Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
2019-2021 – Ministério da Agricultura.
A dança dos nomes
Alguns exemplos de organismos públicos, das mais diversas áreas, que foram mudando de nome ao longo dos tempos.
AICEP: Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal. Existe desde 2007. Tutela: Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Entidade pública empresarial, apostada na internacionalização da economia portuguesa. Nome anterior: Agência Portuguesa para o Investimento, criada em 2002. Absorveu também as funções do Investimento e Comércio Externo de Portugal (ICEP), criado em 1982 sob a designação Instituto do Comércio Externo de Portugal.
APA: Agência Portuguesa do Ambiente. Criada em 2007. Tutela: Ministério do Ambiente.
Entidade pública encarregada de acompanhar a execução das políticas ambientais em Portugal. Resultou da fusão do Instituto dos Resíduos com o Instituto do Ambiente.
ASF: Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Criada em 2015. Tutela: Ministério das Finanças.
Entidade pública que regula e supervisiona o mercado segurador e os fundos de pensões no País. Entre 1982 e 2015 chamou-se Instituto de Seguros de Portugal, antes denominado Instituto Nacional de Seguros.
IDT: Instituto da Droga e da Toxicodependência. Criado em 2002. Tutela: Ministério da Saúde.
Visa promover a redução do consumo de drogas lícitas e ilícitas. Absorveu duas entidades públicas na mesma área: o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência e o Instituto Português da Droga e da Toxicodependência.
IGCP: Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública. Existe desde 2012. Tutela: Ministério das Finanças.
Entidade pública empresarial que gere a tesouraria, o financiamento e a dívida do Estado. Anteriormente, desde 1996, designava-se Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público. Herdeiro da histórica Junta do Crédito Público, criada em 1832.
IHRU: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, existente com este nome desde 2007. Tutela dupla: Ministério do Ambiente e Ministério das Finanças.
Assegura a intervenção pública nas áreas da habitação, do arrendamento e da reabilitação urbana. Antes denominado Instituto Nacional de Habitação. Também absorveu competências do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, entretanto extinto.
IP: Infraestruturas de Portugal. Criada em 2015. Tutela dupla: Ministério das Obras Públicas/Infraestruturas e Ministério das Finanças.
Entidade pública que administra e gere a ferrovia e as rodovias portuguesas. Resultou da fusão das Estradas de Portugal (existente com este nome desde 2004) com a Rede Ferroviária Nacional (criada em 1997). Sucedeu à Junta Autónoma das Estradas (1927-1999) e ao Instituto das Estradas de Portugal (1999-2004).
IPMA: Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Tem esta designação desde 2012. Tutela: Ministério do Mar.
Serviço meteorológico, sísmico e oceanográfico de Portugal. Fundado em 1946, então com o nome de Serviço Meteorológico Nacional que manteve até 1976, alterando a designação para Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica. Em 1993, mudou outra vez de nome, tornando-se Instituto de Meteorologia.
SEA: Serviço de Estrangeiros e Asilo. Novo nome para designar o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Tutela: Ministério da Administração Interna.
Em 1976, chamava-se Serviço de Estrangeiros. Dez anos depois, passou a designar-se SEF. Em 1991, substituiu a Guarda Fiscal, entretanto extinta. Sempre com a missão de controlar as fronteiras, fiscalizando passaportes, vistos, autorizações de residência e pedidos de asilo. O assassínio do imigrante ucraniano Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa, em 2020, acelerou a mudança onomástica já anunciada.