Nem os fiéis acreditam no futuro político de Sócrates
Antigo primeiro-ministro até tinha (e tem) ambições políticas. Quiçá as presidenciais. Mas quem o acompanhou só vê, para já, um combate para o “animal feroz”: o da justiça.
Será difícil encontrar quem fale publicamente sobre José Sócrates e as suas ambições políticas, mesmo entre quem lhe foi (ou é) fiel. E o assunto “José Sócrates” é quase um tabu. Ou seja, há a noção de que o único líder do PS, que deu uma maioria absoluta ao partido, marcha (quase) sozinho.
Quem acompanhou de perto José Sócrates nos últimos anos, mas prefere o anonimato, lembra que o antigo primeiro-ministro “vai andar embrulhado anos a fios com o processo. Não está absolvido pela opinião pública e a vida política é uma vida política sem futuro. Ele gostaria de voltar à política, sim”, mas será muito difícil, confidenciou ao NOVO uma fonte socialista que conhece bem o antigo primeiro-ministro.
Ainda assim, as críticas do autarca de Lisboa, Fernando Medina, a José Sócrates (por corroer a democracia) deram-lhe flanco e a tentação de voltar à arena política, com um ataque duro ao primeiro-ministro, António Costa. Mas claro: só se o processo Operação Marquês o permitir. Nas conversas com o NOVO há quem aponte uma velha ideia (que pairou nos bastidores do PS há uns anos) de Sócrates tentar uma corrida a Belém.
Não haverá espaço para que se possa construir um partido do tipo caudilhista”
Para já é, apenas, uma teoria. E um novo partido ou movimento? Haverá espaço para Sócrates? Um dos poucos socialistas que se assume como amigo de Sócrates é o deputado Ascenso Simões. Ao NOVO o parlamentar não vê como o antigo primeiro-ministro pudesse regressar, por exemplo, com um novo partido ou movimento: “Olhando para a realidade do espectro político português e olhando para os últimos anos da própria realidade intrínseca à figura do engenheiro José Sócrates, não haverá espaço para que se possa construir um partido de tipo caudilhista”. Que seria sempre um partido em torno da figura do antigo líder socialista.
Outra fonte próxima do antigo primeiro-ministro lembra ao NOVO que Sócrates não iria tentar, mesmo que pudesse, a criação de uma nova força política ou movimento, porque o espaço seria o do PS. E o também antigo líder socialista não iria contra o legado de Mário Soares e os militantes de base do PS, que o acompanharam durante anos.
Mário Lino, antigo ministro das Obras Públicas, que testemunhou no processo da Operação Marquês, arrolado pela defesa de Sócrates, nem dá margem para perguntas sobre o lado político do caso: “Não estou interessado. Muito Obrigada”, responde ao NOVO.
Entre socialistas há também quem vaticine a Sócrates o mesmo destino político de Paulo Pedroso, que não foi a julgamento no caso Casa Pia, e teve ganhos de causa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por ter estado detido preventivamente. Os casos são bem distintos, mas do ponto de vista prático, Pedroso não voltou à vida activa política partidária, apesar de ter sido recentemente director de campanha presidencial de Ana Gomes e ter presença regular nas redes sociais.
Os comentadores televisivos já decretaram a morte política de Sócrates (caso de José Miguel Júdice e Marques Mendes) e no PS criou-se a narrativa em 2014, implementada por António Costa, de separação de águas: política e justiça. Mesmo os potenciais sucessores à liderança do PS colocaram a barreira necessária a José Sócrates. Primeiro foi Fernando Medina, autarca de Lisboa, a lembrar que o comportamento do antigo primeiro-ministro corrói o funcionamento da democracia (à TVI24). Pedro Delgado Alves, deputado do PS, pediu uma autocrítica interna aos socialistas, depois de Sócrates saber que vai a julgamento por seis crimes. Delgado Alves é vice-presidente da bancada e, internamente, é apontado como alguém da linha de Pedro Nuno Santos, o ministro que um dia sonha liderar os socialistas. Assim, se José Sócrates sonhar em poder (ainda) influenciar o PS, partido do qual se desfilou por não suportar mais o silêncio (ou as críticas), tem a certeza de que não o fará junto da nova geração de potenciais sucessores de Costa. Assunto arrumado.
No aniversário dos 48 anos do PS, Carlos César, presidente do partido, assumiu que houve “erros” ou até desvios, mas o legado dos socialistas é o aprofundamento da democracia e o combate à corrupção. César protagonizou o embate maior com Sócrates em 2018, ao lembrar que se sentia “envergonhado” com o caso do antigo primeiro-ministro. Desta forma, protegeu o primeiro-ministro, tal como agora. A Costa só coube dizer que os socialistas são muito mais que as lideranças “circunstanciais”, tentando mitigar qualquer efeito interno do caso de Sócrates no PS. Ponto final.