Em 1942, o governo dos EUA publicou um filme de propaganda com o título “Não podes comer tabaco”. Em plena segunda guerra mundial, era urgente reforçar a importância da segurança alimentar, assim como a construção de um sistema de práticas agrícolas resiliente e sustentável.
O filme começa com o narrador, com voz determinada, a afirmar o seguinte sobre a plantação de tabaco: “A crop that pays in cash and sad eyes and scabber skins and half-empty bellies and weak muscles. You can’t eat tobacco.”
A insegurança alimentar é um problema em demasiados lugares do nosso planeta. Refletindo sobre este problema, a Organização Mundial da Saúde declarou como tema para o dia mundial sem tabaco deste ano “cultiva comida, não tabaco”.
A insegurança alimentar é energizada, entre outros motivos, por guerras, conflitos diplomáticos e alterações climáticas. Assim como opções estruturais e de mercado, exemplificadas pela escolha de culturas comerciais como a planta do tabaco.
A OMS diz-nos que todos os anos, cerca de 3,5 milhões de hectares de terreno são convertidos para o cultivo de tabaco. Esta planta é mais exigente, pelo que a sua utilização intensiva esgota mais rapidamente os solos e contribui para a desertificação.
Apesar de se fazer sentir com maior intensidade no sul global, a insegurança alimentar também afeta a Europa como um todo e Portugal em particular. Em 2020, a Direção Geral de Saúde afirmava que, em cada três pessoas em Portugal, uma encontrava-se em risco de insegurança alimentar. Já este ano, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura afirma que 12,4% dos portugueses vivem em situação de insegurança alimentar. Este tema não é apenas uma necessidade moral de ajudar povos distantes, é também um imperativo prático que contribui para o nosso desenvolvimento e coesão social.
A indústria do tabaco alimenta a narrativa que os ganhos do cultivo compensam e enriquecem os agricultores. A ideia de especialização da produção, onde cada país deve produzir o que é mais eficiente, também não ajuda a desmistificar esta ideia. Na realidade, os agricultores não estão a enriquecer. E o preço da folha de tabaco é tão volátil, que por muito eficiente que se seja a produzir, muitas vezes não é suficiente para garantir a autonomia alimentar.
Rapidamente se concluí que a indústria não é defensora das vidas e bem-estar dos agricultores de tabaco. Pelo contrário. Os pesticidas necessários para o cultivo intensivo, as intoxicações por exposição à nicotina, a degradação dos solos, os contratos desiguais e o trabalho infantil mobilizado para esta tarefa, reproduzem uma situação de pobreza e dependência.
Em Portugal, o cultivo da planta de tabaco mantinha-se alicerçada em fundos europeus. Uma boa economia só o é se for útil e servir as pessoas. Mas, até 2019, dinheiros públicos mantinham uma produção agrícola que alimenta a principal causa de morte evitável. Um total absurdo!
Este problema também afeta particularmente países cuja língua é mesma que a nossa. O Brasil é o terceiro maior produtor de folha de tabaco, Moçambique é o décimo. Como prova que a cultura é insustentável, são necessários fundos públicos para manter a sua produção. No âmbito da diplomacia da saúde, Portugal poderia liderar o processo de transição de uma cultura orientada para um mercado nocivo, para culturas sustentáveis e promotoras de segurança alimentar.
Tenho escrito frequentemente que, na diplomacia da saúde, um país como o nosso pode fazer a diferença. Com um SNS de tradição universal e laços culturais com vários povos, ajudaríamos o mundo a transitar de uma diplomacia de soma zero para um mundo de cooperação e solidariedade.