Mariana Gaio Alves: ministro Manuel Heitor tem estado “completamente ausente na pandemia”
Mariana Gaio Alves: ministro Manuel Heitor tem estado “completamente ausente na pandemia”

Das críticas ao ministro Manuel Heitor às polémicas que têm surgido nas universidades, a presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior enumera as dificuldades sentidas por professores e alunos durante a crise provocada pela covid-19. Ao NOVO, fala ainda da vacinação dos docentes e do futuro do ensino superior, quando Portugal regressar ao “novo normal”.

Das críticas ao ministro Manuel Heitor às polémicas que têm surgido nas universidades, a presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior enumera as dificuldades sentidas por professores e alunos durante a crise provocada pela covid-19. Ao NOVO, fala ainda da vacinação dos docentes e do futuro do ensino superior, quando Portugal regressar ao “novo normal”.

Quais as principais dificuldades no ensino superior durante a pandemia de covid-19 e qual o impacto que o ensino à distância tem tido?
Como em todos os sectores, a pandemia tem tido impacto nas mais diversas vertentes do ensino superior, desde a investigação científica às questões das reuniões dos júris académicos. Mas focando na questão das aulas, há aqui um aspecto que é preocupante e que tem a ver com o acesso dos alunos a material informático e à internet. Sabemos que as instituições na generalidade vão procurando fazer um levantamento e disponibilizar recursos disponíveis – e aquelas que não o fizeram deveriam ter feito. Relativamente aos professores não foi feito exactamente o mesmo esforço.
Como é que os docentes foram auxiliados?
Consideramos incompreensível que não tenha existido uma acção do ministro do Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior [Manuel Heitor] neste domínio, assegurando-se de que os recursos de que os docentes dispõem nas suas casas são ajustados. Pode acontecer, por exemplo, que morem num ou noutro sítio mais remoto e que não tenham possibilidade de ter acesso à Internet. É uma das áreas em que consideramos que tem existido uma omissão da parte do ministério que valeria a pena corrigir. Teria sido muito importante corrigir desde o início do ano.
Durante a época de exames no início do ano, em Janeiro, houve registo de filas à porta das salas de aula e várias denúncias de alunos que disseram que as normas sanitárias não estavam a ser devidamente cumpridas. O sindicato considera que houve falta de planeamento por parte do Governo ou por parte das universidades?
Recebemos algumas dessas denúncias e ficámos com dúvidas se eram efectivamente situações realmente preocupantes. Isto não quer dizer que não tenham de ser obviamente tomadas todas as medidas de segurança no acesso às actividades presenciais. Em Janeiro, todo o ensino superior já tinha um semestre inteiro de funcionamento com adaptações. É possível que, na altura dos exames, possa ter acontecido mais alguma aglomeração, mas de facto não tivemos, da parte dos nossos associados, nenhum professor com queixas nesse sentido.
Considera que o Governo devia dar mais indicações às universidades ou considera que os estabelecimentos estão devidamente acauteladas para enfrentar a pandemia?
Temos tido um ministro, Manuel Heitor, completamente ausente nesta questão da pandemia. Além de algumas recomendações que são bastante vagas, não houve uma palavra, por exemplo, para a questão dos professores e dos seus equipamentos. Não houve uma palavra para o esforço que foi feito pelos professores relativamente a adaptarem-se ao ensino à distância. As únicas palavras que ouvimos foram de exclusão dos professores da vacinação, agora que está previsto o regresso às actividades presenciais..
Temos tido um ministro, Manuel Heitor, completamente ausente nesta questão da pandemia. Além de algumas recomendações que são bastante vagas, não houve uma palavra, por exemplo, para a questão dos professores e dos seus equipamentos.
É uma situação incompreensível?
Sim, porque nas universidades e nos politécnicos há salas de aula com muitos alunos também. Temos salas de aula em que as actividades práticas muitas vezes exigem uma proximidade grande entre o professor e os alunos, e entre os alunos entre si. Portanto, é para nós incompreensível como é que está prevista a vacinação prioritária dos professores do ensino básico e do secundário, e não está prevista a vacinação prioritária também dos professores do ensino superior. A partir do momento em que os professores do ensino básico e do secundário são vacinados porque há risco nas escolas, não entendemos como é que nas universidades e politécnicos o risco é mais baixo, tal como disse o ministro Manuel Heitor. Não faz qualquer sentido. Não encontramos nenhuma evidência científica para esta atitude

As universidades estiveram encerradas e o calendário dos exames acabou também por ser alterado, porque as provas têm de ser feitas presencialmente. Como é que foram feitos esses ajustes?
Nas universidades e nos politécnicos, temos calendários selectivos muito diferentes e épocas de exame também variadas. Houve instituições que adiaram os exames do primeiro semestre para Julho, mas houve outras que realizaram os exames ainda presencialmente.
Em Janeiro, qual foi a reacção dos professores e dos alunos ao encerramento das universidades?
Na altura, entendemos que a solução possível era fechar as universidades e politécnicos. No entanto, pensamos que a abertura e o funcionamento em regime presencial é uma boa notícia. Quer os alunos quer os professores entendem que o ensino na sua modalidade presencial é muito importante para a qualidade dos processos de aprendizagem. Por outro lado, há muito cansaço tanto dos alunos como dos professores com o facto de tudo ocorrer através do computador e on-line.
Os alunos têm-se queixado?
Os meus alunos, na semana passada, relatavam-me que “é tudo no computador”: “é o trabalho que eu tenho de fazer, a aula que tenho de fazer, o vídeo, é o trabalho de grupo”. Lembro que a esmagadora maioria dos cursos e das universidades e politécnicos em Portugal tem todos os cursos acreditados para funcionar em regime presencial: este funcionamento on-line só está autorizado na Universidade Aberta e alguns cursos pontuais em algumas universidades e politécnicos. Aquilo que é normal é o funcionamento presencial.
Mas também existe o regime misto: alunos em casa e outros nas salas de aulas. Considera que era uma possibilidade a ter em conta para evitar a propagação da covid-19? Talvez ter reaberto mais cedo com essa divisão?
Não sabemos o que é esse regime, além de que não tem qualquer enquadramento legal. Durante o primeiro semestre, e agora certamente, há soluções muito diversas nas várias universidades e politécnicos. Alguns têm, por exemplo, uma turma a funcionar de quinze em quinze dias: os alunos têm um trabalho autónomo na semana em que não vão à aula e na semana em que vão à aula estão presencialmente na instituição. Esta é uma solução. Temos notícia de vários colegas que tiveram aulas com alunos em sala de aula e alunos à distância. E o que se verifica é que é muito difícil.
É como estar a dar duas aulas a duas turmas ao mesmo tempo?
Acho que consegue imaginar o que é ter 30 alunos numa sala de aula e ter outros 30 através do Zoom. São duas aulas diferentes. E os alunos que estão em Zoom têm necessariamente muita dificuldade em participar. É uma solução que não garante nenhuma qualidade das aprendizagens.
As universidades vão reabrir esta segunda-feira. Que expectativas tem?
Em termos das condições de segurança nas instituições, acreditamos que vai correr bem. O que nos preocupa é a questão da testagem e a questão da vacinação, que são condições acrescidas de segurança e que não percebemos como vão ser asseguradas. É verdade que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior fez uma recomendação no sentido de existir testagem massiva nas instituições de ensino superior. No entanto, não há qualquer coordenação do ministério na organização desta testagem. Receamos que seja muito prejudicial, porque vai acontecer nuns sítios e não vai acontecer noutros. Por outro lado, a questão da vacinação que não está prevista para os professores do ensino superior é mais um factor de risco que seria desnecessário. Até porque estamos a falar de apenas 35 mil docentes, com uma média etária bastante elevada: 63% tem entre 40 e 60 anos e 15% tem mais de 60 anos.
Em termos das condições de segurança nas instituições, acreditamos que vai correr bem. O que nos preocupa é a questão da testagem e a questão da vacinação, que são condições acrescidas de segurança e que não percebemos como vão ser asseguradas.
O Governo não entrou em contacto com o sindicato e nem pediu qualquer opinião?
Nada. Rigorosamente nada. O ministro Manuel Heitor não reúne com o Sindicato Nacional do Ensino Superior há muito tempo. Seguramente há mais de um ano ou talvez há dois. Desde que começou a pandemia nunca reuniu com o sindicato e isso é taxativo. Temos expressado as nossas preocupações, temos também contactado os grupos parlamentares, o CRUP [Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas] e o CCISP [Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos]. Vamos conseguindo reunir com os dirigentes das instituições, com as federações académicas e com os vários grupos parlamentares.
Mas com o ministério não conseguem ter qualquer tipo de contacto?
Há bastante mais de um ano que não conseguimos qualquer tipo de contacto com o ministério, o que é absolutamente lamentável. Não há uma palavra para os profissionais deste sector e parece não existir nenhuma orientação da parte do ministro relativamente a estas questões que preocupam os docentes do ensino superior.

Tem havido apoios por parte do Governo desde Março do ano passado, quando começou a pandemia?
Teria de perguntar aos dirigentes das instituições, mas acredito que a resposta vai ser “nenhuns”. Sempre que se decide algo relativamente ao ensino superior o ministro diz que as instituições têm autonomia e, portanto, devem tomar as medidas necessárias. Há aquelas recomendações bastante vagas relativamente à necessidade de haver testagem, relativamente à questão de ser necessário adaptar as aulas e as actividades às exigências que a pandemia coloca do ponto de vista do distanciamento físico e dos modos de funcionamento. Mas é, de facto, muito pouco ou quase nada, infelizmente, comparativamente àquilo que seria necessário.
Concorda com a implementação dos testes rápidos de antigénio agora na reabertura do ensino superior?
Antes mesmo desta fase da pandemia, havia já algumas instituições de ensino superior que faziam testagem na sua comunidade. Consideramos que é muito importante para identificar rapidamente eventuais casos e prevenir situações de contágio e de surtos, mas questionamos se é exequível. Há instituições de ensino superior que já fizeram saber que não têm nem meios humanos, nem financeiros para o fazer. E mais uma vez o que é que aconteceu? O ministério recomendou que os testes fossem feitos e que as instituições organizem o processo. Devia ser assegurado pelo Governo, pelo ministério, tal como acontece noutras áreas e noutros sectores.
Uma outra questão financeira: falou-se em desconformidades nos pagamentos a directores, subdirectores e a outros responsáveis entre 2009 e 2019. Segundo foi revelado, cerca de 1,25 milhões de euros foram pagos em suplementos que não estavam previstos na lei.
O sindicato recebeu esta notícia em Fevereiro do ano passado, através de um relatório do Tribunal de Contas, que fez uma auditoria às 34 instituições de ensino superior públicas do país e que identificou essas desconformidades. Há dois aspectos que gostava de realçar: o primeiro, é que estes são os mesmos dirigentes que dizem que não têm dinheiro para regularizar vínculos precários. Nós temos cerca de 40% dos professores com vínculos precários. São os mesmos dirigentes que dizem que não existe dinheiro para assegurar que as pessoas progridem de escalão remuneratório quando a sua avaliação de desempenho permite que elas o possam fazer.
E o outro aspecto que queria realçar é…?
Tem a ver com o quadro legal. Temos desconformidades de pagamento porque há um regime remuneratório dos titulares nos cargos de gestão que está desactualizado, pois não foi produzida legislação pelo Governo e pelo ministério. Também não foi produzida legislação de revisão de um instrumento de um diploma legal fundamental. O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior foi publicado em 2007 e devia ter sido revisto em 2012. Em 2021, continua sem acontecer. É também a ausência de regulamentação e de produção de legislação da parte do ministério que explica toda esta situação.
E quanto ao pagamento de propinas. Acha que deviam acabar?
Portugal tem poucos estudantes no ensino superior comparativamente àquilo que é a média europeia. Temos falhado sistematicamente as metas que são estabelecidas pela União Europeia. Frequentar o ensino superior inclui as propinas mas também os custos indirectos, como alojamento e deslocações de alunos fora da área de residência. É positivo se as propinas conseguirem ter um valor que efectivamente é compatível com o rendimento da maior parte das famílias. Mas precisamos também de ter residências para os estudantes a um preço acessível e precisamos de olhar para os custos de frequência do ensino superior em conjunto. Por outro lado, quando falamos de regular o preço das propinas, devemos também pensar no mestrados, porque, consoante a área disciplinar, as propinas podem variar entre dois mil e sete mil e tal euros.
É positivo se as propinas conseguirem ter um valor que efectivamente é compatível com o rendimento da maior parte das famílias. Mas precisamos também de ter residências para os estudantes a um preço acessível e precisamos de olhar para os custos de frequência do ensino superior em conjunto.
O sindicato defendeu a suspensão dos prazos das candidaturas aos concursos da Fundação para a Ciência e Tecnologia…
Organizámos uma petição que visava pedir o adiamento dos prazos mas também corrigir irregularidades que existem nestes editais, como aspectos que violam, por exemplo, princípios de igualdade de oportunidades. Quanto à questão dos prazos, na verdade os concursos fecharam, as candidaturas foram aceites e, portanto, de alguma maneira já está ultrapassada. A nosso ver erradamente, porque a própria lei do estado de emergência tinha enquadramento e previa que os prazos dos concursos a projectos de investigação tivessem sido adiados.
Desistiram da petição?
O documento vai ser analisada pela Assembleia da República, porque são questões sérias de violação de leis e de violação de princípios de igualdade de oportunidade, estabelecendo regras sobre bonificações que só são decididas depois de conhecidas as candidaturas. Isto é impensável.

Tem sido pedido o prolongamento dos prazos para entrega de teses. O PCP já disse ter recebido dezenas de queixas nesse sentido. A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica exige que todas as universidades prolonguem o prazo para a entrega e apresentação das mesmas…
Existem interpretações muito diferentes sobre a prorrogação de prazos para a entrega de teses. Algumas têm sofrido vários percalços, até porque não é possível recolher os dados que impliquem entrevistas ou observações presenciais. À partida, parece-nos bastante razoável e ajustado que exista uma prorrogação do prazo. Mas defendemos ser preciso um esclarecimento que indique efectivamente como é que é suposto cada uma das instituições do ensino superior interpretar a lei.
O que parece é que há sempre regras demasiado gerais. Ou seja, as universidades é que têm de gerir o que vão fazer.
Há um equilíbrio que é preciso encontrar, porque evidentemente as universidades e os politécnicos têm autonomia. Mas tal não pode significar que se organizem ou estabeleçam regras de acordo com aquilo que é o seu livre-arbítrio. O temos neste momento é uma enorme fragmentação, pois o ministério e o Governo demitiram-se praticamente desta regulação.
O que pensa que vai acontecer quando a pandemia terminar ou, pelo menos, se tiver atingido a imunidade de grupo?
A pandemia permitiu mostrar a importância de produzirmos ciência, porque é esta que permite saber quais são as medidas ajustadas para a crise de saúde pública, ter vacinas e testes. Mas também agravou situações que nos preocupam. No ano passado, foi necessário intervir do ponto de vista da lei para prolongar contractos precários, porque a expectativa era que os colegas continuassem a dar aulas e a avaliar sem receber o seu vencimento. É inaceitável. No plano interno e da vida das instituições, também nos preocupa que o regime jurídico das instituições de ensino superior ainda não tenha sido revisto. O sindicato já tem uma acção colocada em tribunal contra o Governo e o ministério porque não foi feita a revisão da lei.