Nos últimos dias deixaram-nos três pessoas que, por razões muito diferentes, significaram muito mais do que as suas próprias experiências vivenciais. Ofereceram-nos um legado concreto e uma inspiração para que como dizia o icónico fundador dos escuteiros Baden-Powell deixemos o mundo um pouco melhor do que o encontrámos.
Jorge Coelho. Uma perda inesperada, abrupta, demasiado cedo. A sua demissão na sequência da tragédia de Entre-os-Rios seria, noutro país, uma coisa absolutamente normal. Pois, será assim. Mas no nosso país foi atitude rara e que, duas décadas volvidas, só um olhar muito atento e bondoso permitirá decifrar pequena similitude. No fundo, Jorge Coelho corporizou, verdadeiramente, a ideia de responsabilidade política. Um governante tem de retirar todas as consequências de situações que, obviamente, fugindo ao seu controlo, e, ainda mais, à sua culpa, não deixam de lhe ser politicamente imputáveis. Não podia ser maior o contraste com tantos outros que parecem ter os glúteos presos à cadeira com uma qualquer cola-tudo, apenas arrancados dos seus postos, urbanamente, com uma grua de dimensões presidenciais ou, pior, que ainda “por lá” andam driblando casos em que, diferentemente do que sucedeu com a queda da ponte, tinham muito mais controlo sobre os acontecimentos. Uma cabritice.
Philip Mountbatten, o duque de Edimburgo que morreu a escassas semanas de completar os 100 anos. Em vidas tão longas, penso que o sentimento de comemorar a vida acaba por confortar a dor imediata da perda. Uns vão recordar o consorte como alguém muito importante na modernização da coroa britânica, outros, simplesmente, como um avô que, como dizia um dos netos, era “uma lenda da brincadeira e um mestre do churrasco”. Penso que o seu legado é o da discrição. Da humildade. Foram, praticamente, setenta anos, na “sombra” da rainha. Percebendo perfeitamente o seu papel, sem bicos de pés, enfim, numa expressão que por cá ficou no léxico, exercendo o seu magistério de influência que, como se veio a perceber, teve resultados práticos muito importantes. Com classe. Um senhor. Como já não se fazem muitos. Eu bem sei que hoje fica melhor criticar e parodiar a família real britânica e que muitos ainda confundem democracia com república. Eu, porém, devo confessar que sou um profundo admirador do Reino Unido. O seu sistema político é para mim o mais perfeito do mundo. E acho que a família real britânica é uma instituição muito relevante para cimentar a união nacional. Um símbolo. Um símbolo de agregação. Uma instituição nacional que é transversal às diferenças políticas. Tomara nós ter a cultura democrática e política dos ingleses. Quem nos dera. Mesmo.
Pedro Soares Martínez, professor de Direito. Tive a honra de, numa cadeira de mestrado, ter aulas com o Sr. Professor. Uma vida longa, com uma dedicação, praticamente sem paralelo, à academia. O Professor, o ano letivo passado, com 94 anos, continuava a reger uma cadeira de mestrado. Recusava-se a parar, foi Professor até ao fim. Guardo muitas conversas que tivemos, por exemplo, sobre o sistema de segurança social português ou, simplesmente, sobre as diferenças do mundo nos últimos anos (vale a pena sublinhar que o Professor terminou o curso dois anos depois do fim da segunda guerra mundial…). Dizia, carinhosamente, cá em casa, que era uma biblioteca andante. Sabia tudo de cabeça, com uma clarividência extraordinária. A ele lhe agradeço tudo o que sei sobre ciclos económicos, todo o estímulo para que aprofundasse a minha investigação e o meu escrito sobre o tema e, mais que isso, as dezenas de conversas que muito contribuíram para a minha formação jurídica. Devo confessar, que das cadeiras de mestrado, o seu 15, foi a mais baixa. Mas quem é que se importa com notas quando se têm a oportunidade de trabalhar, durante vários meses, com uma personalidade com a riqueza académica, cultural e política como a do Sr. Professor? Sim, eu sei que foi ministro do Professor Oliveira Salazar. Ele e muitos outros, como José Hermano Saraiva ou Antunes Varela, cujo exemplo tanta falta nos faz nestes tempos de política pequenina, de tachos, facas e alguidares. A mim não me preocupa nada que grandes vultos tenham servido o país nas décadas de 30,40,50,60 e 70. A mim o que me preocupa mesmo é a falta desses vultos nas décadas actuais.
Até para a semana!
*Advogado