IDE caiu para metade e vem sobretudo de casas que estrangeiros compraram

Números do Banco de Portugal revelam que imobiliário é responsável por 1.800 milhõesde euros de investimento nos primeiros seis meses do ano, num total de 2 mil milhões. Valordo semestre fica 57% abaixo dos 4,6 mil milhões somados de janeiro a junho de 2022, coma tendência de queda nas transações de estrangeiros a manter-se desde o arranque deste ano.

Europeus a comprar casa em Portugal. É este o principal fluxo que está a segurar o investimento direto estrangeiro (IDE) em Portugal. Depois de somarem mais de 4,6 mil milhões de euros entre janeiro e junho de 2022 – fechando o ano a valer 8 mil milhões –, os investimentos de fora têm vindo a cair e sustentam-se sobretudo em movimentos imobiliários.

De acordo com os números revelados pelo Banco de Portugal nesta semana, com metade do ano decorrido, o IDE soma 2 mil milhões de euros, dos quais dois terços foram conseguidos nos primeiros três meses do ano e apenas 734,8 milhões captados de abril a junho. E se é verdade que este indicador sofre flutuações trimestrais significativas, os sinais de abrandamento são claros. Com apenas 2 mil milhões entrados em seis meses, dificilmente se atingirá até ao final do ano os 8 mil milhões conseguidos no ano passado (4,6 mil milhões nos primeiros seis meses) e ainda menos os 11 mil milhões somados em investimento direto vindo de fora no último ano de normalidade antes da pandemia.

O que justifica esta travagem a fundo na capacidade de Portugal captar investimento direto estrangeiro? A resposta não é fácil, mesmo para os economistas. Franquelim Alves, antigo secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, antecipa que pode haver responsabilidades fiscais nesta perda de entusiasmo. “Portugal era um destino muito atrativo de investimento, mas vem perdendo para concorrentes, sobretudo na Europa central e de leste”, explica, apontando a crescente carga fiscal – que atingiu um recorde de 36% no último ano – como argumento para a perda de competitividade do país. “Tem-se discutido muito o IRS, mas o IRC é crítico para se conseguir gerar valor aqui. Impostos e burocracia a aumentarem, ainda mais numa conjuntura de inflação alta e juros a subir, têm-nos tirado a capacidade de atrair IDE”, diz.

Também João Duque arrisca que as alterações fiscais podem ter provocado um afastamento, com uma Europa (principal parceira de negócios do país) cuja economia está a focar o investimento possível onde ele possa produzir mais resultados. Mas vinca uma particularidade: “O investimento direto estrangeiro em imobiliário continua em máximos.”

Com efeito, as casas compradas por estrangeiros têm contribuído com valores significativos para o IDE, desde que ultrapassaram os 500 milhões, no segundo trimestre de 2021. O último ano completo revelou perto de 3,2 mil milhões em IDE justificados pelo imobiliário, que neste ano já soma 1,9 mil milhões de euros.

Ou seja, a esmagadora maioria do IDE realizado neste ano veio de estrangeiros que compraram casas em Portugal. Sem esses investimentos, o valor não chegaria aos 120 milhões.

Metade do capital veio de países europeus, mas a Ásia foi, no último trimestre, quem mais contribuiu para o IDE, superando 40% do total entrado (324,8 milhões de euros em 734,8 milhões).

Segundo semestre assusta

A travagem a fundo no investimento de estrangeiros em Portugal levanta mais preocupações dado o momento económico que a Europa – e Portugal – atravessa, com a inflação a manter-se acima dos 3% e a economia paralisada em países como Espanha e Alemanha, principais parceiros de negócios de Portugal.

Turismo à parte, as exportações já dão algum sinal de abrandamento. E a realidade pode piorar. “Muitas das exportações que temos vão alimentar a indústria europeia e os dados que temos da região apontam um decréscimo de atividade, portanto, ou ganhamos pela qualidade dos nossos produtos ou vamos sofrer e muito”, antecipa João Duque. “É assustador o que se perspetiva para o próximo semestre”, vinca, argumentando com a esperada queda a pique também no consumo interno.

Também nesta semana, o INE revelou que o PIB português estagnou, não evoluindo do primeiro para o segundo trimestre (subiu 2,3% relativamente a junho de 2022), enquanto a inflação voltou a subir ligeiramente, quebrando a trajetória de recuo que vinha mantendo para se fixar agora nos 3,7%. O que vem dificultar a vida aos portugueses, que perderam muito poder de compra no último ano e vêm desbastando as suas poupanças desde o início do ano. O Banco de Portugal aponta para uma queda de 3,4% nos depósitos, comparando os meses de julho deste ano e do ano passado. Em simultâneo, o crédito ao consumo disparou, atingindo um recorde de dez anos em maio. O valor caiu um pouco em junho, mas está ainda a um nível preocupante: 633 milhões (eram 680 milhões um mês antes).

“Vamos chegar ao final do ano com uma inflação média de 5% a 6% e os rendimentos não acompanharam essa subida pronunciada de preços – exceto nos trabalhadores qualificados. Com meses de preços altos e rendimento constante, a maioria dos portugueses vão controlar compras ou deixar de conseguir pagar créditos”, antecipa o economista.