Convém a esta altura olharmos rapidamente para o campo de batalha na Ucrânia e perceber qual a situação com a contra-ofensiva. Do que se percebe das operações ucranianas, têm estado a ser sistemáticos. Em termos de forças empregues, estamos, por enquanto, a ver que a Ucrânia empregou cerca de sete brigadas das 35 criadas para esta ofensiva. E este número exclui as brigadas de linha, que têm diversos estados de capacidade, mas que permanecem na linha de contacto.
Este é o primeiro aspecto que importa desmistificar claramente: do potencial de combate criado especificamente para a contra-ofensiva, a Ucrânia empregou mais ou menos 20% dos meios. Uma operação não pode estar a falhar quando 80% do potencial de combate nem sequer utilizado foi. Aliás, as nove brigadas ofensivas do Ministério do Interior, que serão forças de 2.º escalão, permanecem no norte da Ucrânia a treinar.
Mas o que estamos a ver então no campo de batalha? Para já, temos visto operações ofensivas por parte da Ucrânia com objectivos muito concretos. Obrigar a Rússia a empregar reservas operacionais que têm, empurrar a frente estratégica de Zaporizhya e Donetsk para sul, dar prioridade de targeting à artilharia russa e aos radares de contra-bateria e cuidadosamente ir limpando fortificações e campos de minas.
Na frente leste temos assistido a avanços na região de Bakhmut, com as forças ucranianas a atacar os flancos da cidade e a procurar o controlo do terreno dominante e das linhas terrestres de comunicação que controlam o fluxo logístico da cidade. Fruto disso assistimos a um reforço das forças aero-transportadas russas (VDV) que foram enviadas para estabilizar os flancos e a cidade.
Temos assistido também a alguns contra ataques tácticos das forças russas com o objectivo de aliviar a pressão, no caso de Bakhmut, e de procurar que a Ucrânia empregue mais reservas. Na generalidade, sem sucesso especial.
O outro aspecto que permanece e tem vindo a ser uma “tema” desta operação são as actividades de shaping do campo de batalha. Ataques em profundidade à logística, concentrações de tropas, infra-estrutura crítica e outros alvos de elevado valor. Tem sido, aliás, uma campanha consideravelmente bem sucedida a este nível.
A Ucrânia tem claramente um plano e está claramente focada nos efeitos sobre o inimigo e sobre as forças inimigas, antes de se focar no território propriamente dito. Muita desta adaptação é fruto das defesas russas e da não existência de poder aéreo em quantidade que permita estabelecer a superioridade aérea.
O inimigo vota sempre, mas ao contrário de muitos, não tenho nenhuma fé na capacidade de regeneração de forças e material da Rússia. Essa ideia de que têm meios ilimitados e atiram milhões de homens para a fogueira é pura fantasia. Onde é que está tudo isso com ano e meio de guerra? Não está. E a Rússia não tem a logística, nem a capacidade de produção, e, pior, não tem as condições políticas internas.
Depois, não apostem contra a base industrial da defesa dos Estados Unidos, da União Europeia e do Ocidente alargado. Sim, muito mais se poderia estar a fazer, mas grandes passos já foram dados e decisões importantes tomadas.
Diria, por isso, que a contra-ofensiva progride de forma sistemática e, a seu tempo, teremos o esforço principal da mesma, conforme o comando ucraniano decida que estão criadas as condições para tal. Até lá, há que ter confiança, pois têm um plano e sabem exactamente o que estão a fazer.