Pela primeira vez em duas décadas, o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, corre o risco de perder eleições. As presidenciais turcas de 14 de Maio, que coincidem com o centenário da República, não dizem respeito apenas aos eleitores turcos. Em jogo estão a segurança da Europa e papel de Ancara na guerra na Ucrânia, os equilíbrios no Médio Oriente, o controlo das migrações para a Europa, o alargamento da NATO e a relação com a Rússia e os Estados Unidos.

As eleições são disputadas por duas grandes coligações. A Aliança do Povo, que apoia o actual Presidente, é um casamento por interesse entre os conservadores-islamistas do Partido da Justiça e Desenvolvimento, AKP, e a extrema-direita do Partido do Movimento Nacionalista, MHP. As pouco fiáveis sondagens turcas indicam que a antiga maioria absoluta do AKP é uma quimera. E, nas presidenciais, Erdogan terá, pela primeira vez, de ir a uma segunda volta. Seis partidos uniram-se para formar a Aliança da Nação, em torno da candidatura do líder do CHP (kemalista e laico), Kemal Kiliçdaroglu. O que os une é, antes do mais, a vontade de afastar Erdogan do poder.

A chegada ao poder do AKP, em 2002, entusiasmou muitos na União Europeia. Numa leitura simplista, Recep Tayyip Erdogan era o grande reformador para uma Turquia democrática e consonante com os valores europeus. Pode, à distância de duas décadas, afirmar-se que terá sido ingenuidade ou, talvez, excesso de optimismo. Acrescente-se que se subestimou a complexidade dos processos histórico-políticos do país. Erdogan não se metamorfoseou de um democrata reformista à maneira europeia num líder autoritário com uma agenda conservadora-islamista; o seu poder é que aumentou. Como político hábil, entendeu a necessidade de ter aliados externos para consolidar o poder interno que, no início, era muito débil, e a perspectiva de adesão à União Europeia serviu-lhe esse propósito. Com o pretexto reformista, enfraqueceu os seus inimigos internos: os militares e o aparelho judicial. O golpe falhado de 2016 serviu a Erdogan como justificação final para se livrar de opositores e críticos (presos), encerrar centenas de jornais ou rádios e despedir centenas de milhares de funcionários públicos – substituindo-os por pessoas próximas do seu AKP ou do MHP. Fez passar em referendo um tipo particular de presidencialismo, com Erdogan a deter todo o poder executivo, mas também parte do legislativo (quase esvaziando as competências da Grande Assembleia Nacional) e judicial (através de nomeações). A filosofia de governo de Erdogan, o “erdoganismo”, parece ter-se tornado a “nova ‘ideologia oficial’, como o kemalismo foi durante quase um século”, escreveu o analista turco Mustafa Akyol.

Os sismos devastadores que atingiram o sul da Turquia em Fevereiro, conjugados com a má situação económica do país, transformaram estas eleições no maior teste político que Erdogan tem de enfrentar desde que chegou ao poder.

Deixará Erdogan o poder caso perca? Perdendo, pode prolongar o estado de urgência decretado após o terramoto de Fevereiro e mobilizar todo o aparelho burocrático que controla directamente. Os que o apoiam não têm intenção de perder os seus privilégios, nem de serem julgados por corrupção.

O desfecho destas eleições é altamente imprevisível e com ondas de choque bem para lá das fronteiras.

Mala diplomática a subir

O presidente da Assembleia da República português, Augusto Santos Silva, convidou o seu homólogo ucraniano, Ruslan Stefanchuk, a visitar Lisboa e a discursar no Parlamento português, e indicou que o presidente do Parlamento ucraniano aceitou o convite. “Convidei o presidente da Assembleia da República da Ucrânia a visitar Lisboa e a dirigir-se também, em sessão plenária, ao nosso Parlamento. Fi-lo, como disse, ao abrigo dos poderes que tenho, mas ciente também de que teria a imensa maioria do Parlamento comigo quando formulei esse pedido, que foi imediatamente aceite”, anunciou Santos Silva, no arranque da sessão plenária.

Mala diplomática a descer

Nevoeiro de guerra: quem o diz é o antigo primeiro-ministro russo Mikhail Kasyanov. O político não tem dúvidas: o ataque de drone ao Kremlin na madrugada de quarta-feira foi uma encenação russa. Em tempos um dos maiores aliados de Vladimir Putin, Kasyanov disse acreditar que tudo não passa de uma estratégia do regime para justificar uma escalada no conflito e incitar a população a juntar-se ao esforço de guerra. Chefe de governo entre 2000 e 2004, o político de 65 anos tornou-se, nos últimos tempos, uma das vozes russas mais críticas do Kremlin e da invasão, tendo mesmo abandonado o país no ano passado. “Putin precisa disto antes do Dia da Vitória.”