Não era apenas “um idoso”. Nem era somente “um velhinho”. Era uma pessoa. Tinha nome. Tinha dignidade. Era o senhor Pereira. Com história, com família e com o direito à vida. Não morreu simplesmente no hospital de Loures. Foi deixado à morte por negligência. Foi abandonado num corredor. Abandonado.
Agora, os técnicos irão fazer muitas comissões de inquérito e passar a culpa de uns para os outros. E o assunto irá desaparecer lentamente das notícias e não haverá consequências de maior. Foi apenas mais um Pereira, um Silva ou outro desconhecido qualquer. Gente que deveria morrer sem incomodar a consciência dos governantes. Já cantava o Chico: “Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego”.
O senhor Pereira merecia o nosso respeito, ao fim de 96 anos de vida. Ninguém merece ser abandonado à morte no corredor de um hospital. Num hospital estamos todos indefesos, à mercê de um sistema que nos deveria ajudar mas para quem somos mais um empecilho. “O senhor Pereira que não nos incomode com queixas e que fique quietinho.” “Se soubéssemos que ia acabar nas notícias teríamos feito qualquer coisa para o tratar.”
A claustrofobia de sentirmos que estamos a morrer e ninguém nos ajuda. Que somos apenas mais um idoso indefeso, que somos ignorados enquanto a vida se esvai. Sentirmos o coração a parar, o ar a faltar e em pleno hospital não conseguirmos pedir ajuda. O senhor Pereira não morreu. Foi assassinado.
Quantos senhores Pereira não devem estar a morrer nos nossos hospitais, cujas vidas poderiam estar a ser salvas? Morrem sem ser notícia, morrem sem assistência, morrem vítimas de uma elite que, por causa da ideologia, escolheu dar cabo do Serviço Nacional de Saúde.
Morreu um idoso em Loures. Era assim a notícia, que teve algum destaque nesta semana. Ao destacar que era “um idoso”, a notícia tenta desculpabilizar o hospital. Afinal, os idosos são mais frágeis e é natural morrerem. Mas a notícia não deveria ser que morreu, mas sim que o deixaram morrer. Foi morto, vítima da negligência. Morreu num corredor de um hospital por não ter tido assistência. Não foi “um idoso” que morreu, foi um ser humano como nós e falhámos na ajuda a que ele tinha direito.
Em alguns hospitais de países mais pobres que o nosso é normal deixarem doentes a morrer nos corredores, pois não há maneira nem meios de os tratar.
Por mais angustiante que seja para os médicos nesses países, eles decidem quem vive e quem é tratado, pois sabem que não há recursos e, por isso, não há escolha.
Em Portugal deveríamos ter escolhas. Nunca gastámos tanto dinheiro com o Serviço Nacional de Saúde e as pessoas morrem cada vez mais nos corredores dos hospitais. Morrem porque não conseguem consultas nem operações. No nosso caso, ainda é mais criminoso pois há dinheiro e deveria haver soluções.
O senhor Pereira foi assassinado pelo sistema. Foi deixado para morrer. Somos mais culpados que os países mais pobres pois eles, mesmo que quisessem, não teriam os meios.
O senhor Pereira morreu no hospital de Loures, que funcionava bem enquanto PPP e que descambou em dois anos, desde que voltou para a gestão pública. E este governo tudo fez para que o hospital de Loures voltasse à gestão pública, mesmo sabendo que o resultado seria este. Não foi por falta de avisos nem de ver o que já tinha acontecido nos outros hospitais que deixaram de ser PPP. Foi negligência e irresponsabilidade. Foi deixar os muitos senhores Pereiras entregues à sua sorte, para morrerem um dia por falta de assistência. Nós tínhamos os meios e, por cegueira ideológica, escolhemos desperdiçar esses recursos.
Foi uma opção vossa, sejam honrados e íntegros e assumam as vossas escolhas e as suas consequências. Pensem nisso, enquanto esperam pelas vossas consultas nos hospitais privados, pagos pelas vossas ADSE e outros seguros de saúde a que o senhor Pereira não tinha acesso.
É esta a grande herança socialista: um país de duas castas. Os que podem pagar seguros e os outros. Os que podem pagar escolas privadas e os outros. Os que podem pagar para ter acesso à justiça e os outros.
O socialismo não sabe criar riqueza e distribui a miséria com iniquidade. E um povo resignado e submisso irá continuar a aceitar estas situações e a dar maiorias a quem tudo fez para que chegássemos a este quadro.