Idai e Kenneth. Não sei se os conhece. Eu conheci-os de uma forma dura. Em 2019. Não tão dura quanto os meus patrícios em Moçambique, usando a gíria da minha mãe quando nostalgicamente fala da nossa terra e daqueles que “são iguais a nós”.

O Idai e o Kenneth não são meus patrícios. Pelo contrário. Passaram na minha terra e devastaram tudo. Seiscentos óbitos; 223.947 casas destruídas; 2,5 milhões de necessitados; 1,3 milhões de crianças a pedirem ajuda. No meio destes números, a cidade onde nasci ficou destruída e o que se salvou fica agarrado a um triste epíteto: “Já não é o que era.”

Idai e Kenneth são dois ciclones que, sem dó nem piedade, fizeram duas visitas a Moçambique numa só estação.

Se é de clima que se fala nesta semana, então temos de falar do duro impacto destes fenómenos e discutir como os travar ou controlar. E não pode ser daqui a 200 anos. Tem de ser já.

Porque essa lengalenga de África ser o futuro não existe se não assegurarmos já o momento presente.

O presidente Nyusi esteve no Quénia e assinou a Declaração de Nairóbi. Falou de Moçambique, dos ciclonese de um radar meteorológico, recém-inaugurado, “na cidade da Beira, na região centro do nosso país, com alcance capaz de registar ciclones num raio de 400 quilómetros, estando prevista a instalação de mais dois radares nas regiões norte e sul. Desta forma, estaremos a cobrir o país”, disse.

É um passo, sem dúvida, senhor presidente. Mas quando os detetarmos, o que vamos fazer além de fugir a sete pés?

O salve-se quem puder num país com uma costa marítima de 2.700 quilómetros pode e deve ser pensado com maior assertividade. As casas têm de ser fortalezas. Equipadas de forma a proteger o máximo possível. As pessoas têm de ter formação. Como atuar, quais os sítios mais seguros. Kits de sobrevivência devem ser distribuídos. As ruas, os edifícios, todas as infraestruturas devem ser repensadas.

Não me chocaria ter uma Secretaria de Estado para tratar destes fenómenos, com orçamento, mas sobretudo com essa responsabilidade.

O ónus deve existir em cada segundo e não somente quando corre um vendaval e varre todo o nosso património, humano e não só.

Sinto que serei protagonista do “Mapeador de Ausências”, de Mia Couto, no meu regresso à terra natal. Um poeta que vai à procura da sua infância na cidade da Beira e não a encontra. Ou que a encontra na ausência das pessoas, dos monumentos, da História.É, asseguro-vos, um vazio imenso. Tão grande quanto a vontade feroz de agarrar o que existe e de não me ficar pela memória das histórias contadas pelos mais velhos.

Patrícios, agora em sentido mais alargado, para todos os que carregam este sentir, descruzem os braços. E só os cruzem quando vierem estrangeiros como o Idai e o Kenneth. Aí, podem mandá-los para a sua terra (frase que uns e outros muito gostam de usar). Porque, por cá, só contribuímos entre 4% e 6% para a poluição mundial e dispensamos ser o depósito oficial do lixo do planeta a troco de… uns trocados.