O discurso em torno do verde, da sustentabilidade e do combate às alterações climáticas tende a ver as empresas (privadas e, sobretudo, “as grandes”) como as principais destinatárias ou vinculadas ao cumprimento de um conjunto de obrigações em prol de uma transição verde. Em consequência, as empresas ajustam os seus modelos de negócio, cadeia de valor, produtos, serviços, programas de investigação e desenvolvimento e mensagem institucional e comercial à pressão e expectativas de reguladores, investidores, trabalhadores, clientes e demais partes interessadas, de forma a internalizar a sustentabilidade ambiental e social como sua “missão” ou “propósito”.
Acontece que a participação e colaboração das empresas na resolução de uma questão que delas não prescinde, não pode ignorar aqueles que são (e devem continuar a ser) os primeiros destinatários de um conjunto de deveres em matéria de preservação do ambiente – os Estados. A estes cabe a formulação e adoção de estratégias, planos e políticas nacionais dirigidas a assegurar a adaptação às alterações climáticas, garantindo respostas atempadas e adequadas às realidades nacionais, regionais e locais. Planos integrados, com medidas concretas e objetivos realistas, passíveis de serem monitorizados e avaliados segundo indicadores bem definidos, promovendo, assim, a accountability do Estado (e da União Europeia) para com os cidadãos e as empresas.
É tempo de ultrapassar as proclamações de boas intenções. O contexto dos fogos florestais, secas, cheias e ondas de calor que por toda a Europa se fazem sentir, todos os anos e com crescente acuidade, justifica a necessidade de levar a sério as consequências das alterações climáticas, encarando-as como um fenómeno ou problema global, com impacto transnacional e transgeracional. Trata-se de consequências que extravasam o ambiente e a natureza, para se repercutirem na sociedade em geral. É uma questão de todos, e que a todos deve interessar, sem que o esforço, expectativas e obrigações se possam dirigir apenas às empresas.
Ciente dessa visão “macro”, e além da adoção de atos normativos no âmbito das suas competências, a União Europeia vem assumindo uma posição de dianteira, que se reflete, também, numa importante função de apoio e auxílio aos Estados-membros no compromisso para com a neutralidade carbónica e a sustentabilidade. Recorde-se a estratégia da própria União em matéria de adaptação às alterações climáticas, adotada em fevereiro de 2021, e que labora sobre quatro principais eixos: uma adaptação (i) mais inteligente; (ii) mais rápida; (iii) mais sistémica e em contexto de (iv) intensificação da ação internacional.
Foi neste contexto que a Comissão Europeia adotou muito recentemente um conjunto de orientações dirigidas a assegurar que a adaptação climática seja uma efetiva prioridade política dos Estados-membros. O objetivo é o de garantir a respetiva concretização numa política de adaptação atualizada face aos deveres e compromissos dos Estados, a nível europeu e internacional.
A adaptação é a palavra de ordem. O setor público é o seu agente principal, e o contexto é de crescente vinculação a metas, no âmbito da Lei europeia em matéria de clima e do Acordo de Paris. Mais do que estratégias parcelares, a Comissão Europeia pretende uma whole-of-government approach implicando todos os níveis de tomada de decisões e segundo o princípio do “think globally, act locally”.
Essa adaptação perspetiva um dever de agir dos Estados, vinculativo e sujeito a atualização regular, assente na identificação de objetivos e métricas claras, no elenco das ações necessárias para as alcançar e na respetiva monitorização através de avaliações de impacto referentes às populações, infraestruturas essenciais e setores de atividade particularmente vulneráveis às alterações climáticas.
Para o efeito, deverão ser alocados recursos humanos e financeiros, e privilegiada uma abordagem participativa e integrativa, interna e externa. Externamente, e segundo a Comissão Europeia, a adaptação dos Estados deverá implicar a participação de todos os stakeholders – incluindo a sociedade civil, a academia e as empresas – que, pela sua particular exposição, vulnerabilidade, conhecimento, recursos ou capacidade de informar as ações estaduais, devam ser qualificados como stakeholders relevantes. Internamente, pretende-se assegurar uma coordenação multinível horizontal (entre ministérios e secretarias de Estado) e vertical (envolvendo as diferentes camadas da Administração pública). A constante monitorização e avaliação da implementação da estratégia asseguram a sua eficácia e exigem a sua contínua a adaptação.
A reserva do possível torna-se, a esta altura, evidente. E a escusa do dinheiro a escapatória mais imediata e impulsiva. Todavia, mais do que uma questão secundária, os riscos associados às alterações climáticas devem entrar na equação complexa da alocação dos recursos do Estado, do mesmo modo que entram, agora, no escopo das obrigações de reporte, monitorização e financiamento das empresas. A exploração de instrumentos de financiamento como as parcerias público-privadas poderá ser uma opção. E a própria União Europeia dispõe, por seu turno, de um conjunto de instrumentos de financiamento como o LIFE Programme, o Horizonte Europa ou o Fundo para uma Transição Justa.
Portanto, antes de abandonar a missão como impossível, importa encará-la como um propósito necessário. Os resultados poderão não ser tão rápidos, imediatos, famigerados, compreendidos ou visíveis como aqueles associados ao digital. Mas oh como não garantirão o nosso futuro!
Inês Neves | João Bernardo Silva, Morais Leitão, Equipa de ESG e direitos humanos