Diretor indigitado para as secretas toma posse sem a confiança do maior partido da oposição

É um caso inédito na história da democracia. Um diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa assume o cargo sem a confiança do PSD, o maior partido da oposição. No Parlamento, esta semana, José Marinho da Costa ouviu críticas à direita perante o silêncio da esquerda.

Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, a direção de uma das agências dos serviços de informações da República vai ser entregue a alguém que não vai ter o voto de confiança do maior partido da oposição. José Marinho da Costa, indigitado pelo Governo em agosto para dirigir o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), no cumprimento da lei, esteve no Parlamento para ser questionado pelos deputados das comissões parlamentares de Defesa Nacional e dos Assuntos Constitucionais sobre quais as motivações que o levaram a aceitar o convite e quais as ideias que tem para o exercício do cargo.

Com o partido do Governo sentado em maioria na Assembleia da República, a indigitação será naturalmente confirmada pelos deputados. Mas, sem o conforto de uma maioria absoluta seria reprovada.

Desde logo, o PSD, o maior partido da oposição, garantiu ao diplomata que a nomeação para o cargo acontecerá sem a confiança do grupo parlamentar e, naturalmente, sem a confiança do partido.

Justificando a tomada de posição, a deputada Andreia Neto lembrou o caso do computador retirado do Ministério das Infraestruturas, a 26 de abril, por um assessor do ministro, gesto classificado de “roubo” pelo próprio primeiro-ministro António Costa. O aparelho foi depois recuperado com a intervenção “ilegal” de um agente do Serviço de Informações de Segurança (SIS).

No seguimento, o ministro das Infraestruturas João Galamba foi questionado numa comissão parlamentar que tinha como objetivo investigar as contas da TAP, assim como também foi ouvido Frederico Pinheiro, o responsável pelo desvio do computador, estando este caso na origem da maior crise institucional envolvendo o Presidente da República (PR) e o Primeiro-Ministro, com Marcelo Rebelo de Sousa a afirmar, numa mensagem televisiva, que António Costa deveria ter afastado João Galamba.

Ora, sendo o SIS, assim como o SIED, agências hierarquicamente dependentes do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), o líder do maior partido da oposição, Luís Montenegro, no seguimento destes factos, escreveu uma carta a António Costa a afirmar que considerava a atuação do SIS ilegal, no caso do computador, e que o agente envolvido terá agido sob ordens do SIRP. Como tal, na missiva, o líder do PSD exigia que a secretária-geral, a embaixadora Graça Mira Gomes, fosse exonerada do cargo de dirigente, caso contrário, garantiu, deixaria de confiar naquele serviço, o que consubstanciaria um facto inédito na democracia portuguesa: o SIRP ser dirigido por alguém que não beneficia da confiança do maior partido da oposição, tendo-se em conta que, por tradição, as matérias de defesa e de segurança são geralmente decididas entre os partidos do chamado bloco central.

António Costa nem exonerou João Galamba, tal como pedia o PR, nem exonerou Graça Mira Gomes, tal como pedia Luís Montenegro. Em consequência, a secretária-geral do SIRP está em funções sem gozar da confiança do PSD, tendo-se presente que a entidade depende diretamente do primeiro-ministro.

Assim, caso o PSD ganhe as próximas eleições, Graça Mira Gomes terá mesmo de ir embora e, por arrastamento, também os dirigentes do SIED e do SIS.

Na quarta-feira, no Parlamento, todo este contexto foi explicado ao diretor indigitado José Marinho da Costa, que ouviu impávido e sereno a possibilidade de estar a prazo caso a direita conquiste o poder político. E ouviu mais. Por exemplo, a deputada da Iniciativa Liberal (IL) Patrícia Gilvaz manifestou dúvidas sobre o currículum profissional do diplomata de carreira proposto para diretor do SIED. “No seu curriculum escasseiam ligações às informações, à segurança e à defesa. A realidade que vai encontrar será muito específica e significará quase uma mudança de carreira. Qual a formação pessoal que fez para assumir estas funções?” Patrícia Gilvaz questionou também sobre “o que faria no caso Galamba” e se aceitaria recuperar o computador do Ministério das Infraestruturas”. Perante a insistência da deputada da IL, Marinho da Costa, de forma diplomática, disse que um diretor do SIED atua sempre num “canal hierárquico”.

Acutilante foi também o deputado do CHEGA, Pedro Pessanha, que depois de ter esclarecido que olhara para o curriculum, levantou dúvidas sobre a experiência profissional do diretor indigitado, advogando que se assiste a um favorecimento da carreira diplomática face à militar na escolha de responsáveis para o SIED. Questionou, igualmente, os meios ao dispor do serviço, lembrando que existem apenas 10 “antenas” espalhadas pelo mundo, quando há uma década eram o dobro. Além de que, matizou, o SIRP tem um orçamento de apenas 37,9 milhões de euros, dos quais 6,7 milhões são para ordenados e 2,2 milhões para a renda de imóveis. Um orçamento baixo comparado, por exemplo, com a Letónia, que gasta no serviço congénere 132 milhões, ou com a Espanha ou a França que gastam 322 milhões e 180 milhões, respetivamente.

José Marinho da Costa admitir desconhecer a existência da 10 “antenas”, justificando tratar-se de matéria classificada, reconhecendo também conhecer mal os serviços quando questionado pelos deputados do PSD, do CHEGA e da IL sobre informações avançadas pelo Diário de Notícias, em agosto, que davam conta da falta de recursos financeiros para o cumprimento das missões atribuídas ao SIED. “Não sei como está organizado o serviço. São matérias classificadas e não tenho informação”, disse.

À esquerda, só o PS falou. A intervenção foi do deputado Diogo Leão, tendo esgotado o tempo sem nada questionar. Todos os outros partidos com assento parlamentar, PCP, PAN, BE e LIVRE, ficaram em silêncio.

Foi em agosto que o primeiro-ministro indigitou o Marinho da Costa, antigo cônsul-geral de Portugal em Marselha, como diretor do SIED, substituindo Carlos Pires que saiu para ser secretário de Estado da Defesa.

Até agora o cargo de diretor do SIED tem sido sempre exercido por um embaixador. José Marinho da Costa é um diplomata de carreira, tendo ascendido este ano a ministro plenipotenciário – categoria abaixo de embaixador. Ao longo dos anos exerceu missões em vários países, tendo sido também assessor diplomático do antigo primeiro-ministro José Sócrates.

Artigo originalmente publicado na edição do NOVO de 9 de setembro