Comandante quer os GNR “armados” com um sorriso

Na tomada de posse, os dirigentes da GNR e da PSP destacaram a fraca atratividade da profissão e orientaram as intervenções para o tema da humanização e valorização dos agentes da autoridade. Os discursos dos ministros foram apenas políticos.

“Devemos cultivar a empatia como instrumento de valorização da ação policial e acreditar na força e valor acrescidos de um Guarda ‘armado’ também com um sorriso”: palavras do tenente-general Rui Veloso ao tomar posse como novo comandante-geral da GNR.

A proximidade, o humanismo, a dignidade, a valorização das mulheres e homens e da GNR estiveram em destaque no discurso do dirigente perante o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, em cerimónia realizada na segunda-feira sob chuva torrencial.

Para Rui Veloso, “não basta produzir segurança, também é preciso promover o sentimento de segurança dos cidadãos e da sociedade”. E isto passa, explicou, por “melhorar as condições de trabalho, as condições socioeconómicas e o bem-estar dos militares e civis da Guarda, tornando-a mais acolhedora para quem nela serve e atrativa para os jovens que nela desejam servir”.

Defendendo que “o militar da Guarda tem de ser um cidadão exemplar”, entende Rui Veloso que a “formação, desde o primeiro dia e ao longo da vida, a dimensão cívica e humana devem conjugar-se com o conhecimento científico e técnico, tornando-o baluarte do respeito pela dignidade humana, agindo em função da prevenção, repúdio e repressão do racismo, da xenofobia e de quaisquer formas de discriminação”.

Com este discurso, vislumbra-se uma mudança de cultura institucional na GNR ao nível da dignificação e valorização dos profissionais. Este desiderato poderá advir do facto de Rui Veloso ser oriundo da própria GNR. É o primeiro oficial formado desde cadete para os quadros permanentes da Guarda. Todos os antecessores pertenciam às fileiras do Exército, onde a formação se foca mais na preocupação em “abater o inimigo” e menos no cultivo da empatia com os cidadãos, cuja postura se crê sensível ao agente “armado” com um sorriso. Alguma coisa poderá estar a mudar.

Também na PSP
Naquele mesmo dia também tomou posse o novo diretor-nacional da PSP. Pela primeira vez em tempos de democracia, assistiu-se a uma cerimónia de posse comum. Sinais dos tempos. Por coincidência, ou talvez não, também o superintendente-chefe José Augusto de Barros Correia deu ênfase, no seu discurso, aos valores humanos que devem pontificar na gestão das mulheres e homens da PSP. Ou não fosse ele oriundo dos Serviços Sociais da instituição.

Disse Barros Correia: “Será determinante a coesão institucional para o cumprimento da missão da nossa Polícia. O envolvimento dos profissionais – a todos os níveis hierárquicos – é um fator crítico de sucesso que promove o sentimento de pertença, potencia o compromisso, o qual, aliado ao propósito e à capacidade de criar impacto, alavanca o conceito de ‘família policial’.”

Neste espírito, acrescentou o responsável da PSP, é fundamental que todos possam “contribuir para a implementação de mecanismos que promovam a ‘felicidade organizacional’, centrados nas pessoas, assentes no envolvimento entre estas e a organização, no que esta lhes proporciona e no que aquelas lhe podem conferir, dinamizados por uma liderança justa e equilibrada que promova a melhoria contínua do desempenho”.

Para tal, alertou, será também importante “criar melhores condições e processos de trabalho para que os polícias possam continuar a honrar a sua instituição, participar ativamente num processo construtivo de uma Polícia melhor e mais moderna”. Assim, “é importante definir-se uma política de recursos humanos humanizada, mais próxima, transparente e menos burocrática”, acrescentou.

Perante tudo isto, concluiu, é necessário, pois, “potenciar a atratividade da profissão, seja ao nível da remuneração, das condições de trabalho e da dignificação do estatuto policial, seja ao nível dos apoios sociais aos polícias e suas famílias, assistência na doença ou alojamento”.

Quer o comandante-geral da GNR quer o diretor-nacional da PSP estão notoriamente preocupados com a atratividade das funções policiais, cientes de que, hoje, os jovens polícias valorizam mais o bem-estar pessoal do que um vínculo laboral que, à partida, possa minimizar a exposição ao desemprego. Encaram o trabalho de uma forma mais utilitarista, trazendo à atualidade a doutrina dos filósofos britânicos Jeremy Bentham e John Stuart Mill.

Um olhar político
O discurso do primeiro-ministro, que presidiu a cerimónia, esteve menos focado na vertente humanista. Foi um olhar político, voltado sobretudo para a cooperação entre instituições policiais e militares para uma maior eficácia do sistema – “no respeito das competências próprias de cada uma”, sublinhou.

Coube a José Luís Carneiro, o ministro das polícias, enaltecer o papel das corporações e as política do governo, frisando que “a GNR e a PSP assumem-se como essenciais na defesa dos valores constitucionais e na promoção da coesão social e territorial”. Viram-se sobrancelhas franzirem-se quando afirmou: “Com uma cultura de proximidade centrada na resolução dos problemas das pessoas, que carateriza este governo, temos melhorado a eficiência operacional, valorizado aqueles que zelam pela segurança de todos nós e procurado mobilizar as novas gerações para uma carreira ao serviço da segurança.”

De facto, atratividade da profissão é um dos mais sérios problemas da PSP e da GNR. De todos os modos, disse o ministro, os responsáveis vão dispor de competências delegadas para realizarem “despesas até ao limite de 3,7 milhões de euros, permitindo evitar a degradação do vasto património, móvel e imóvel, essencial aos elevados níveis de operacionalidade”.

Artigo originalmente publicado na edição do NOVO de 9 de setembro