Sempre que analisamos regimes mais “obscuros” ou, pelo menos, mais secretos, daqueles de que se espera tudo no panorama da política internacional, um dos que é impreterível analisar é o chinês. A China, desde que há memória, sempre manteve um comportamento errático e imprevisível no quadro da política internacional.
Vejamos os acontecimentos do passado recente. Poucas semanas antes da invasão russa à Ucrânia, ambos os líderes, Xi Jinping e Vladimir Putin, reuniram-se e emitiram um comunicado conjunto afirmando que estavam com uma excelente relação e que a amizade entre ambos os povos não tinha limites, somando-se a este facto, aquando da colocação de tropas russas na fronteira com a Ucrânia, em finais de 2021, que a China adoptou um discurso pró-Moscovo (ainda que um pouco encapotado).
Fiz questão de mencionar estes acontecimentos justamente devido ao comportamento errático da China face aos acontecimentos vindouros, como, por exemplo, a recente visita do Presidente chinês à Rússia, com grande pompa e amizade. Outra questão que sempre conectou ambos os países foi o discurso anti-NATO e a defesa do direito à defesa das suas fronteiras (apesar de isto ser um pretexto, pois a NATO nada fez para alimentar tal medo).
Mal a Federação Russa invadiu a Ucrânia, as declarações da suposta amizade e apoio económico por parte da China diminuíram consideravelmente, tendo esta sido muito mais contida. Importa uma vez mais lembrar, fazendo ponte com o mencionado, que a China, apesar de defender em diversas situações a Rússia, como aconteceu na abstenção na condenação da invasão na ONU (não é uma defesa taxativa mas, tendo em consideração a conjuntura, mostra um pouco da posição chinesa) ou como acontece na retórica ao nunca se referir à invasão como invasão, moderou o discurso e, inclusivamente, mostrou uma maior solidariedade em relação à Ucrânia a partir de Março do passado ano, quando se reuniu à distância com Emmanuel Macron e Olaf Scholz.
Esse acontecimento foi ainda mais curioso pelas afirmações tecidas por Xi Jinping, que afirmava ser com consternação que assistia a mais uma guerra na Europa e que estava disponível para ser mediador para a paz. Caricato, não? Mas tudo isto tem uma explicação. A China é uma “nova” potência graças ao seu exorbitante poderio económico. Um dos grandes factores para isso acontecer são as relações de comércio (relações de bastante dependência que não abonam muito a nosso favor, na minha opinião) com o Ocidente (Europa e Estados Unidos, entenda-se). Em 2020 (em pleno ano duro da pandemia), a China exportou para o espaço da União Europeia mais de 4,2 mil milhões de dólares em bens, ou seja, é o maior exportador para a União Europeia. Os Estados Unidos, sozinhos, importaram mais de 4,52 mil milhões da China.
Este preâmbulo que apresentei mostra-nos o quão dependentes estamos da China. E se a China está “contida” em relação à guerra na Ucrânia, isso deve-se, na minha óptica, à parte económica acima de tudo. Nos valores, a China não está assim tão longe das outras autocracias presentes no mundo de hoje. À semelhança de outros, na China, o Estado não se confunde com o partido maioritário pois, na China, o Estado é, efectivamente, o partido maioritário, e é menos relevante saber quem é o Presidente chinês do que saber quem é o secretário-geral do Partido Comunista chinês.
Mas, voltando ao ponto anterior, sobre a questão da parte económica da política, se a China, neste momento, vincasse uma posição taxativamente favorável ao comportamento russo, isso poderia colocar em causa ainda mais as relações de comércio com os blocos mencionados, e, com toda a certeza, seria algo nada conveniente.
O problema para a China é ter mesmo um trade-off para resolver ao nível económico porque, e segundo estatísticas da alfândega chinesa, a relação comercial entre Pequim e Moscovo subiu na ordem dos 36%, negócios esses que se baseiam, acima de tudo, em petróleo e gás, ou seja, ficar mal perante Putin também não é uma boa ideia para a China.
Na óptica de uma potência, ter de gerir tudo isto não é tarefa fácil, daí o secretismo e a constante estratégia e imprevisibilidade do governo chinês. A verdade é que o tempo passa e as amarras da China vão ficando cada vez mais completas. Por outro lado, sobre a não interferência em assuntos internos de outros países, que é algo repetidamente dito pelo lado chinês, isso não tem só razão de ser sobre o lado económico.
A leitura que faço é que isso pode ser um pretexto devido à tensão vivida com Taiwan. A China é constituída por pessoas trabalhadoras (até demais, se é que me faço entender) que, durante a História, sempre foram dos melhores a fazer negócio e dos melhores mercadores – a expressão “negócio da China” vem justamente desse facto. Num passado mais recente, a China tornou-se uma superpotência, mas não pode ser vista como um exemplo. A China (apesar da sua grande maioria ser uma miséria que não podemos nunca esquecer) tem partes e infra-estruturas riquíssimas, modernas e futuristas, mas a ética e o respeito são algo que não prevalece. As pessoas são puras escravas e as grandes infra-estruturas são feitas sem estudos de impacto ambiental e com muita miséria pelo meio.
Termino, meus caros, perguntando: apesar da nossa excelente resposta e atitude, já sabemos como é estar nas mãos da Rússia. Vamos querer mesmo ficar também nas mãos da China? Será que já lá não estamos?