China: a caminho da crise ou o exagero nos receios da moderação da atividade?

As notícias de problemas na segunda maior economia do mundo têm sido abundantese os dados macro de julho não deixam grande margem para interpretações positivas. Ainda assim, vários analistas contextualizam os números no ciclo chinês e comparam-noscom os de outras economias para argumentar que os medos de um colapso são exagerados. O consumo continua a aguentar em sectores-chave e os mercados financeiros não mostram stresse, deixando interrogações sobre a real magnitude das dificuldades.

O assunto tem dominado as manchetes da economia internacional este trimestre: a economia chinesa, segunda maior do mundo, mostra uma série de vulnerabilidades estruturais e conjunturais que levantam preocupações quanto às suas perspetivas de médio prazo, sobretudo no atual contexto de desinvestimento ocidental no país.

Os indicadores em queda são vários e abrangem múltiplas áreas, mas há também quem contextualize os dados, defendendo que o cenário não é tão negativo como se pinta, e ainda menos se comparado com os Estados Unidos.

O mercado imobiliário é a face mais evidente do abrandamento chinês, sendo um problema estrutural que se arrasta há quase uma década.

Depois de anos de sobreconstrução e investimentos pouco produtivos, a capacidade dos promotores imobiliários de fazer face aos seus compromissos financeiros tem-se reduzido perante uma procura decrescente e preços em queda, deixando mais de metade das empresas do sector em situação de fraca sustentabilidade financeira no final de 2022, com os custos com juros a ultrapassarem as receitas antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA).

Com uma demografia em queda e uma propensão anormalmente elevada para a poupança (em comparação com as restantes economias mundiais), os problemas estruturais depressa se manifestaram economicamente. Por um lado, o desemprego jovem atingiu recordes absolutos em junho, com 21,3% dos jovens urbanos sem emprego – em resposta, as autoridades chinesas deixaram de divulgar o indicador.

Por outro lado, o ressalto no consumo após a reabertura, com o fim das restrições pandémicas, foi menos forte do que se pensava, levando a uma queda de preços e a uma situação de deflação no país. O retalho continuou a crescer em julho, mas abaixo do esperado: em comparação com igual período do ano passado, o aumento foi de 2,5%, menos do que os 3,1% de junho e os 4,5% projetados pelo mercado; em cadeia, o indicador caiu 0,06%, ou seja, perto da estagnação.

Dados em contexto
Ainda assim, há quem note uma tendência subjacente à economia menos negativa do que aparenta. Jenny Zeng e Ze Yi Ang, analistas da AllianzGI, reconhecem a “imagem preocupante” criada pelos dados macro de julho, mas colocam-nos em contexto para argumentar que o que se observa é apenas “uma moderação da atividade”.

“Para nós, os números não apontam para mais uma queda no ímpeto económico, mas sim a continuação da tendência verificada nos últimos meses”, escrevem os analistas da AllianzGI. O primeiro sinal está no retalho: apesar de os dados de julho terem desapontado, “vários sectores permanecem robustos”, como os serviços e outros indicadores de alta frequência.

Similarmente, o abrandamento na procura das famílias por crédito em julho “deve ser visto no contexto de uma subida recorde no primeiro trimestre”, pelo que “a sugestão de uma deterioração súbita nas necessidades de crédito chinesas nos parece enganadora”. Acresce a isto a fraca emissão de títulos do governo central, que os analistas da AllianzGI estimam vir a recuperar gás no resto do ano.

Louis-Vincent Gave, sócio-fundador e diretor-executivo da Gavekal, acrescenta mais alguns fatores: sendo o maior ou segundo maior importador da generalidade das matérias-primas no mundo, “se a economia chinesa estivesse a colapsar seria expetável que os preços das commodities abrandassem; atualmente, verifica-se o oposto”, sublinha; por outro lado, e apesar da fraqueza do yuan face ao dólar, a divisa chinesa tem ganhado terreno contra a moeda coreana, o won, e está perto dos máximos absolutos contra o iene japonês, afastando a possibilidade de desvalorizações para tornar as exportações mais apetecíveis em comparação com os rivais regionais.

Outro fator salta à vista: em comparação com títulos do Tesouro norte-americano de longa data, as ações de bancos chineses têm pulverizado os retornos nos últimos 12 meses ao chegarem a 6,7% de ganhos face a 17,05% de perdas nas bonds americanas.

“Que género de crise financeira vê os bancos do país afetado suplantarem os títulos do Tesouro dos Estados Unidos por mais de 20%? Seria completamente inédito”, afirma Louis-Vincent Gave. Mais: desde o início da crise pandémica, “os títulos de longa maturidade chineses superaram os títulos de longa maturidade americanos por 35,3%”, outro aspeto que não teria precedentes numa economia emergente em crise.