Chamados ao comando para combater a fraca atratividade nas polícias

Os novos líderes da GNR e da PSP tomam posse na segunda-feira. A par do combate ao crime, a maior prioridade do tenente-general Rui Veloso, GNR, e do superintendente-chefe Barros Correia, PSP, será tornar a profissão de agente de segurança mais atrativa. Os pedidos de exoneração em ambas as forças estão a aumentar, assim como os de licença sem vencimento. Maioria dos oficiais da PSP já ponderaram sair temporariamente da instituição.

Tornar atrativa a profissão de agente da autoridade será tão ou mais prioritário quanto o combate ao crime. Trata-se do grande desafio para os responsáveis da GNR e da PSP que segunda-feira tomam posse nos respetivos cargos: Rui Veloso, como comandante-geral da GNR, e Barros Correia, como diretor-nacional da PSP. Quer um quer outro sabem que os pedidos de exoneração e de licença sem vencimento entram quase todos os dias nos serviços administrativos e que os concursos para admissão de novos elementos têm sempre menos candidatos do que vagas disponíveis.

Paulo Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), em declarações ao NOVO, lembra que nos dois últimos concursos apareceram 550 candidatos para 1.020 vagas. O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) indica, por seu lado, que em 2022 ingressaram na PSP 36 oficiais e saíram 41, a que se juntaram 158 chefes, sem que ninguém os tenha substituído. O ingresso de mil agentes foi acompanhado de 700 saídas registadas. A corporação conta no total com cerca de 20 mil elementos.

Quantos fariam falta? Paulo Santos prefere antes falar na necessidade de uma reestruturação que permita perceber, sem equívocos, quais as competência atribuídas à PSP. Neste momento há falta de pessoal, mas também há muita coisa que a PSP faz e não deveria fazer, e muita coisa que não faz e deveria fazer. “Prefiro falar em reestruturação e só depois é que saberemos ao certo qual a real carência de efetivos”, disse.

Desejando as maiores felicidades ao novo diretor-nacional, Paulo Santos prevê um mandato “árduo”, pois “mais importantes do que um perfil são as condições, os investimentos e os recursos que consiga para a instituição”. E adiantou: “Sem recursos, sem efetivos, sem efetivos rejuvenescidos, não adianta muito ter um novo diretor-nacional.”

O comissário Bruno Pereira é não só o presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP) como também o autor do trabalho académico “Exodus dos Oficiais da PSP: Uma Realidade?”, defendido em fevereiro deste ano no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.

Naquela dissertação, o responsável sindical revela “o sentimento vivido atualmente pelos oficiais da PSP”. De acordo com os dados apresentados, 73,3% dos oficiais afirmam que “já sopesaram uma saída temporária da organização e, mais crítico ainda, 47,4% declaram já ter pensado fazê-lo de forma definitiva”. Escreve Bruno Pereira: os dados “revelam uma tendência endémica e uma vontade cada vez maior de desvinculação da instituição”. E acrescenta: “Este resultado é ainda mais preocupante quando a maior franja de respondentes das percentagens indicadas se situa nas duas primeiras categorias de oficial – subcomissário e comissário –, revelando que a insatisfação se instala e consolida numa fase inicial.”

Esta é a realidade que o novo diretor-nacional da PSP vai encontrar. Bruno Pereira aconselha o dirigente a apostar no “melhoramento dos equipamentos e das condições de trabalho, na eliminação de redundâncias internas, na transição digital que facilite a agilidade e a eficiência”. Também importante, na opinião do presidente do SNOP é, por um lado, assegurar uma reestruturação orgânica que torne a PSP “mais funcional, evoluída e transformada” e, por outro, elevar os “valores da condição policial”, pois, em seu entender, “é o que está fragilizado e é o que está a afastar as pessoas da instituição”.

O presidente do SINAPOL – Sindicato Nacional da Polícia “espera há muito um diretor-nacional que venha para reerguer a PSP, para a tirar do estado em que se encontra”. “Sucessivos diretores-nacionais chegaram à PSP para retirar direitos aos polícias, os quais foram depois reconhecidos pelos tribunais”, disse ao NOVO Armando Ferreira, observando: “É fundamental trabalhar em diálogo com os sindicatos.”

Falta de pessoal na GNR
Para César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG/GNR), “a imagem da GNR não reflete a realidade”. Disse ao NOVO: “Mostramos grandes carros, mas depois escondemos os muitos mais que já deveriam ter sido abatidos.”

Na opinião daquele dirigente, o principal foco de Rui Veloso, o novo comandante-geral de uma corporação com mais de 200 anos de existência, será a reforma do estatuto remuneratório que, disse, “está a provocar grandes constrangimentos”. Neste momento “há superiores hierárquicos a auferirem menor salário do que outros colocados em lugares hierarquicamente mais abaixo”.

Esta realidade “numa estrutura muito hierarquizada, de natureza militar, como é a GNR, é inaceitável”, sublinhou César Nogueira, lembrando que em 2017 se mexeu no estatuto profissional sem uma correspondente alteração do estatuto remuneratório, provocando a atual discrepância”. Segundo aquele dirigente, a GNR necessitaria de pelo menos 4 mil novos agentes para que a instituição funcionasse de forma equilibrada e próxima das populações. “Acontece que, neste momento, a GNR aposta sobretudo na imagem”, passando informação que, sendo verdadeira, não equivale a um real suporte de meios operacionais. Falou-se, por exemplo, no aumento de 30% das patrulhas. “Sim, mas a grande maioria corresponde a serviços remunerados contabilizados como patrulhas. É uma falácia.” Alerta César Nogueira: “Faltam patrulhas para fazer policiamento de proximidade.”

O ambiente entre os profissionais da GNR parece ser de desencanto. As pessoas mostram vontade de sair, muitas mostram pouca vontade de ficar e já há dificuldade em encontrar quem queira ingressar. Segundo o RASI, em 2022 ingressaram na GNR 39 oficiais e saíram 42. Também se retiraram 68 sargentos sem nenhum entrado para os substituir. Ingressaram 1.464 praças e saíram 536. A corporação conta, no total, 22.700 elementos.

A atratividade para o mundo do trabalho policial é fraca, não porque se tenha alterado a nobreza da missão mas, sobretudo, porque além de uma remuneração pouco cativante no início de carreira – pouco mais do que o ordenado mínimo –, “a satisfação profissional”, explica o comissário Bruno Pereira, “já não segue a visão tradicional, muito centrada no retorno pecuniário e progressão na carreira, que têm vindo cada vez mais a perder preponderância, ganhando hoje uma dimensão ampliada que abarca uma série de outros aspetos fundamentais para assegurar elevados níveis de motivação, de retenção e, mais importante, de bem-estar”.

Assim, dignificar e valorizar a profissão dos agentes é, hoje, o principal desafio para quem dirige as instituições de segurança. Rui Veloso e Barros Correia terão de começar por aqui.