Carlos Oliveira: “É muito preocupante o nível do emprego para jovens recém-formados”

Portugal está a fazer caminho na formação, mas continua a ter muito trabalhão para fazer. Em entrevista, Carlos Oliveira, presidente-executivo da Fundação José neves, diz que, apesar da evolução positiva de alguns índices, é preocupante o nível do emprego para jovens recém-formados, a incapacidade do país para reter talento e a degradação das remunerações, que fazem com que se perceba a educação como ineficaz para a melhoria de vida

Foi publicado o relatório anual da Fundação José Neves sobre o estado da nação no que respeita à educação, emprego e competências em Portugal. O que podemos destacar pela positiva?

Pela positiva, podemos destacar uma evolução nos níveis da população adulta com baixas qualificações, que, apesar de ser o pior da Europa, têm diminuído significativamente. Nós, hoje, temos cerca de 40% dos portugueses adultos, portanto, entre os 25 e os 64 anos, em que o grau de ensino mais elevado que têm concluído é o ensino básico; não sendo uma boa notícia, a tendência é muito positiva, porque vínhamos de 47% e estamos agora em 39,7%. É uma evolução positiva, que também nos indica onde é preciso continuar a actuar muito. Aliás, esta tendência é positiva por um factor natural, que é estas pessoas vão saindo do mercado de trabalho, vão ficando mais velhas e, portanto, diminui-se não propriamente por investimentos ou políticas públicas, ou privadas, muito consistentes no sentido de qualificar estas pessoas. Mas eu diria que esta é uma das grandes oportunidades que o país tem e uma necessidade, que é estas pessoas com mais baixas qualificações terem acesso a programas e formas de requalificação, seja com as empresas, seja via política pública, que lhes permitam obter competências para que possam navegar neste mundo com uma evolução tão rápida e em que aquilo que é pedido às pessoas é muito diferente daquilo que era pedido no passado.

Pela positiva, também, mantemos o 16º lugar dos países em termos de intensidade do mercado de trabalho e em áreas intensivas em conhecimento e tecnologia. No ano passado, chegámos à 16ª posição naquilo que são os indicadores aspiracionais para 2040, que são um conjunto de métricas que nós identificamos para que Portugal seja considerado uma sociedade do conhecimento; onde deveremos estar é no top 10 em 2040. Mantemos este ano o 16º posto; há muito trabalho, até porque nós temos de reduzir muito esta posição, mas os nossos concorrentes directos também o estão a fazer, e, portanto, precisamos de acelerar esta tendência.

Ficou mais ou menos estável, também, a percentagem de licenciados com ensino superior; mantém-se em 44,4%.

Outro indicador importante é, também, aquilo que diz respeito à aprendizagem ao longo da vida, aquilo que as pessoas reportam como sendo a formação que fazem durante o ano passado, e isso também teve aqui uma evolução positiva, um pouco acima dos 13%.

Estes são indicadores positivos. Nós escolhemos aqui um conjunto de indicadores que, de alguma maneira, demonstram que para eles evoluírem positivamente, diversas coisas têm de estar a ser bem feitas.

E pela negativa?

Por exemplo, um que não está a correr bem e que é muito preocupante é o emprego ou o nível do emprego para jovens recém-formados, seja com ensino secundário, seja no ensino superior. Temos, apenas, uma taxa de empregabilidade ao fim de três anos de 78%, ou seja, temos 22% de jovens que estão desempregados três anos depois de terem terminado um destes graus. Isso é particularmente preocupante quando ouvimos os empregadores e as empresas dizerem que não têm pessoas para contratar, mas depois temos jovens, até com qualificações, que acabam por não ingressar no mercado de trabalho no imediato, e isso é também sinal de um desfasamento entre aquilo que são as competências e a formação que os jovens adquirem versus aquilo que o mercado trabalho procura.

Temos outro indicador também preocupante que tem a ver com as sobrequalificações, isto é, o volume de jovens que estão empregados, mas que estão em funções para as quais não precisavam daquele grau de ensino, continua também muito elevado. Eu diria que, no longo prazo, não é necessariamente algo negativo, porque as competências acumulam-se, portanto, quem já tem estas competência e esta formação poderá acelerar depois na sua vida, um pouco mais à frente, mas, no imediato, é um frustrar das expectativas de quem investe na sua educação, investe mais anos no sistema de ensino e no ensino superior.

De facto, nós temos aqui um problema que, eu diria, no fim do dia, resume-se à competitividade e aos salários da nossa economia, em que há uma descorrelação, aliás, como nós no estado na nação do ano passado demonstrámos, entre o aumento das competências e das qualificações dos portugueses e a produtividade da nossa economia; isso é um problema e, por isso, também, é que este ano nos focamos muito na questão da digitalização, onde fazemos também alguma avaliação sobre o porquê da importância da digitalização da nossa economia.

Estas duas questões são as que o preocupam mais?

Há a questão dos salários, claramente. Apesar de ter havido um aumento nominal dos salários na média do país, em 2022, a realidade é que os salários cresceram 4%, portanto, houve uma perda salarial líquida, de salário real, de 4%, em 2022, na média do país; obviamente, haverá outliers positivos e outliers negativos, mas, na média, os salários reduziram-se 4% no país em termos reais, apesar de terem aumentado em termos nominais. Portanto, quer dizer que os aumentos não compensaram a inflação.

Esta é, de facto, uma preocupação grande, porque, depois, não há um retorno da educação, como deveria haver; ele existe e é importante dizer-se isto: continua a compensar largamente, em Portugal, que as pessoas tenham graus de formação superiores e com isso ganham mais, mas este diferencial tem diminuído.

Esta diferença salarial entre os jovens com ensino superior e os jovens com o secundário tem-se reduzido, está em mínimos históricos. É um convite à emigração de quem tem mais competências? Porque é que não conseguimos reter o talento que formamos, pela falta de competitividade?

É também a competitividade e haver ofertas de empregos e de projectos que agradem a estas pessoas e que lhes permitam ficar.

Se virmos na perspectiva do país, é fundamental retermos estas pessoas qualificadas. Defendo, já há muito, que a emigração não é má, é uma coisa que pode ter um efeito positivo; se tivermos pessoas qualificadas espalhadas pelo mundo a mostrarem que o nosso país funciona, que dá boa educação, que temos pessoas inteligentes e que são capazes de estar em lugares de topo a nível mundial, isso é extraordinariamente positivo, como vemos em casos como a Irlanda, Israel e outros países, que têm uma diáspora que ajuda, depois, no desenvolvimento do país. Portanto, eu acho que não devemos colocar isso numa perspectiva tão negativa como às vezes se colocou neste país, agora, naturalmente, quando há um excesso de emigração num país que precisa de se desenvolver, que precisa de corrigir este défice histórico que tem a nível das qualificações… quando nós temos quase 40% da população adulta em que o grau de ensino mais elevado é o básico, essas pessoas vão estar, ainda, muitas delas, muitos anos no mercado trabalho, portanto, nós temos que tratar delas, temos que lhes dar formação, temos que lhes dar competências e de uma forma muito mais célere e muito mais alinhada com o que o mercado procura, mas também temos, depois, para os jovens que se licenciam, de ter projectos para os reter, e, obviamente, que a questão salarial é, evidentemente, uma delas. Nós, na Fundação [José Neves] lançámos, também com o senhor Presidente da República, o pacto para mais e melhores empregos para os jovens, e mais de 50 empresas também que se juntaram, que fazem parte e que são, digamos, a espinha dorsal deste pacto, e aquilo que nós identificamos é que, efectivamente, é preciso dar oportunidades aos jovens; eles são o futuro do nosso país e, neste momento, não conseguem sair de casa dos pais, muitos deles não conseguem ter autonomia financeira para terem a sua família, terem a sua autonomia. Eu diria que estas é que são as preocupações que deviam nortear, e com um sentido de urgência que muitas vezes não se vê. Diria que estamos, enquanto país, muito anestesiados em muitas áreas. Nesta, da educação, claramente.

Porquê?

Muitas vezes o problema é o debate, onde é que o debate está centrado. Nós, no debate da educação, tivemos eleições há um ano e meio e pouco se falou de educação; quando se falou de educação foi na perspectiva dos salários, das carreiras dos professores, que é seguramente importante e merece ser resolvido e que já deveria ter sido resolvido, mas não falamos da estratégia, não falamos do que é que se espera de um sistema de educação no século XXI, não falamos do que é que devem ser as políticas públicas, a mudança urgente que é preciso fazer – ou as muitas mudanças –, o tornar a profissão dos professores atractiva; aliás, este é um dos temas que nós temos na parte dos grandes desafios da educação.

Nós somos o país da Europa com a população de professores mais envelhecida, em que os jovens não querem ser professores. Portanto, enquanto os cursos do ensino superior aumentam o número de alunos que têm, os cursos tendentes à profissão de professores diminuem; em inquéritos, os próprios professores sentem-se frustrados e são eles próprios a dizer que se arrependeram de escolher a profissão.

Nós, nas empresas, hoje, preocupamo-nos com o work-life balance das pessoas, como é que compatibilizam a vida pessoal com a vida profissional, preocupamo-nos com a sua saúde mental, e continuamos a levar os nossos filhos para uma escola onde vão ficar cinco a sete horas fechados numa sala à frente de um professor, como se fazia, já agora, no século XVIII ou XIX; portanto, nós não estamos com um sistema de ensino capaz de responder a estas realidades. Depois, no que liga ao digital, perceber que apenas 7% dos miúdos que estão na escola usam as tecnologias digitais para a sua aprendizagem, ou seja, quer dizer que os curricula, os próprios mecanismos de ensino não tiram partido da tecnologia nem da digitalização, e, depois, estes jovens, em casa, usam muito mais, felizmente para eles; mas, mais uma vez, é também um caminho de desigualdade, porque, depois, em casa, quem não tem estas capacidades, não está a desenvolver as competências mais importantes para um futuro que é já amanhã de manhã, não é um futuro longínquo.