O país parou, suspenso, por uns minutos, na noite de quinta-feira. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa – um homem que tem habituado os portugueses a um comentário livre e desabrido que vai desde as relações diplomáticas com o Brasil até (imaginemos, porque esta nunca ouvi) à melhor marca de óleo para motores a diesel – falou aos cidadãos sobre o que considerou ser uma “divergência de fundo” com o Governo no que toca à polémica que mete no mesmo avião a TAP, o ministro João Galamba, um dos seus assessores, pancadaria, SIS e um computador.

Muitos e melhores analistas do que o autor deste editorial já escalpelizaram o discurso, meteram o cérebro de Marcelo Rebelo de Sousa debaixo do microscópio, analisaram ou anteviram as suas jogadas de xadrez e até decidiram antecipadamente – como tinham feito na noite em que António Costa se rebelou contra o Presidente – quem ganhou e quem perdeu. E muito se escreveu que o Presidente que queria afastar um ministro, João Galamba, afinal não demitiu o Governo nem dissolveu a Assembleia da República.

Raposa velha da política, Marcelo Rebelo de Sousa ensaiou um passo ao lado (o conhecido side step da política americana) e prometeu um reforço da vigilância sobre o Governo de António Costa, a quem pediu “autoridade, capacidade, fiabilidade, credibilidade, respeitabilidade”. Supostamente, características que o Presidente não vê no actual executivo.

A investida de Marcelo Rebelo de Sousa é de saudar. Com uma oposição que se divide entre os antigos integrantes da Geringonça do primeiro governo de Costa e com a direita numa crise existencial a propósito da subida de influência do Chega, o papel do escrutínio ao Governo tem pertencido, com maior acutilância, à imprensa, sobretudo a que é livre e destemida.

A chegada do Presidente ao campo dos que escrutinam representa uma oportuna e preciosa oportunidade. Um presidente tem acesso – directa ou indirectamente – a um acervo imenso de informação sobre a actuação do Governo, incluindo decisões, omissões e demais propostas. Factos que ocorreram no passado, mas também medidas que se prepara para adoptar. Que essa informação sirva agora para mais do umas bocas diárias, uns estados de espírito colocados nas páginas do costume ou umas mensagens crípticas no decorrer da agenda semanal. Marcelo tirou as luvas? Veremos.

Aqui, do lado dos que escrutinam (não apenas este governo, mas todos os governos, partidos, instituições e poderes públicos, incluindo como é óbvio o próprio Presidente da República), damos-lhe as boas-vindas, Sr. Presidente. Veremos se tudo não se traduzirá apenas em velhacaria política e mais geladinhos do Santini. O mínimo que se exige é um bom serviço público à democracia portuguesa e ao país. É para isso que cá estamos.