Como sabemos, o Algarve é uma das regiões mais turísticas do país, sendo conhecido internacionalmente pelas suas belas paisagens e, sobretudo, pelas suas praias de areia dourada e águas cristalinas. Infelizmente, apesar de toda esta beleza natural, a região enfrenta uma grave crise hídrica que tem vindo a agudizar-se nos últimos anos.
São várias as razões que explicam esta situação. Desde logo, o clima mediterrânico característico da região, marcado por Verões quentes e secos. Depois, a forte redução dos níveis de pluviosidade, com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera a registar apenas 499,1 milímetros de chuva no Algarve em 2018 (último ano disponível), valor que contrasta com os 939,8 milímetros verificados nesse mesmo ano para o conjunto do Continente. Importa referir que a falta de pluviosidade castiga significativamente os aquíferos da região, os quais estão já bastante pressionados pela sua sobreexploração, enfrentando ainda problemas de intrusão salina, os quais penalizam a qualidade da água que (ainda) vão disponibilizando. Depois, há a registar a crescente procura por água, a qual resulta do aumento da população residente no Algarve (3,7% segundo os Censos de 2021), da forte procura turística e do dinamismo do sector agrícola. Somem-se as fragilidades associadas às infra-estruturas que existem para armazenar água e a dificuldade em optimizar o ciclo urbano da água em muitos dos concelhos algarvios (algo bem plasmado nos sucessivos relatórios dos serviços de águas e resíduos publicados pela entidade que regula este sector) e ficamos com uma boa ideia da precariedade da situação que se vive a sul nesta matéria.
O Governo parece estar muito atento e fortemente preocupado com a situação. De facto, em Setembro de 2020, João Matos Fernandes (ainda se lembra dele?) anunciava com pompa e circunstância, em Faro, o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve. O investimento previsto ascendia aos 228 milhões de euros, os quais seriam utilizados para concretizar 53 medidas de curto e médio prazo, tais como a melhoria das redes de abastecimento público e de rega, com o nobre objectivo de poupar 33 milhões de metros cúbicos por ano de água consumida a sul. Ao mesmo tempo discutia-se a necessidade de estudar um conjunto de soluções que permitissem aumentar as disponibilidades hídricas, nomeadamente através da dessalinização, da ligação entre o Pomarão e a barragem de Odeleite, do aproveitamento de águas residuais tratadas e da construção das barragens da Foupana e/ou da ribeira de Alportel.
A tomada de posse do XXIII Governo trouxe Duarte Cordeiro como ministro do Ambiente e da Acção Climática. Preocupado com a situação de seca extrema que afectou o Algarve em 2022, Duarte veio em auxílio da região, sugerindo um aumento da tarifa da água para grandes consumidores domésticos, nomeadamente durante o período de maior gravidade de seca. Por outro lado, no início de 2023, Duarte Cordeiro visitou a região, tendo anunciado que o projecto da dessalinizadora é mesmo para avançar (e até com capacidade de produção reforçada para uns impressionantes 24 hectómetros cúbicos/ano), tendo inclusivamente revelado que a localização final deste equipamento seria conhecida “muito em breve”.
Infelizmente, dos anúncios à prática vai um oceano de diferença. De facto, à data de hoje, os diversos anúncios do Governo redundaram, basicamente, numa mão cheia de nada. Por outro lado, os dados disponíveis no portal das Águas do Algarve, empresa que tem como missão garantir o abastecimento de água para consumo humano na região, mostram que, a 10/04/2023, a disponibilidade hídrica na barragem de Odelouca, medida a partir do volume útil de água, é de 30,64 hectómetros cúbicos (i.e., 23,9% do máximo possível). Os valores equivalentes para as barragens de Odeleite e do Beliche são, respectivamente, 51,05 hectómetros cúbicos (46,92%) e 17,88 hectómetros cúbicos (41,70%). Assim, neste momento, as barragens da região conseguem disponibilizar cerca de 100 hectómetros cúbicos para suprir a procura de água no Algarve.
Teremos, então, água nas torneiras no Verão de 2023? Parece que sim, apesar de estarmos a entrar no tempo mais quente, o qual trará consigo menores níveis de precipitação, maior evaporação e um consumo acrescido resultante do aumento de turistas na região. O problema é saber o que vai acontecer no futuro um pouco mais distante. Recordemos que, em 2021, a Agência Portuguesa do Ambiente apresentou o primeiro estudo realizado no nosso país sobre a água, estimando uma redução de 49% no volume deste precioso fluido nos rios e menos 29% de precipitação já em 2100. Este cenário pode parecer dramático e longínquo. No entanto, estamos mesmo a caminhar para algo desta natureza, já que o relatório sobre o estado do clima recentemente publicado pela Organização Meteorológica Mundial vem dizer que os últimos oito anos foram os mais quentes desde que há registo.
Perante estes factos, podemos simplesmente não fazer nada. Podemos também entreter-nos com o caso da TAP e restantes tolices do nosso governo. Alternativamente, podemos desde já implementar (com ênfase na concretização) medidas que ajudem a mitigar a situação. A escolha é nossa (ou melhor, é de quem supostamente nos governa).
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.