Albânia, o conto de fadas da erosão democrática
Edi Rama, líder do Partido Socialista, vai a votos no domingo para tentar um terceiro mandato como chefe de governo em Tirana. Com a oposição unida para o derrubar, a vitória está longe de garantida. As sondagens apontam para um empate técnico.
Em tempos visto como uma lufada de ar fresco nos bafientos bastidores da política, Edi Rama parece ter-se perdido nos labirintos do poder na Albânia. Passou a ser visto pela generalidade dos analistas como um governante autoritário e autocrático.
Recuando no tempo, a história tinha contornos de um quase conto de fadas e podia começar assim: “Era uma vez um professor de Belas Artes, pintor e ex-jogador de basquetebol internacional pela Albânia que se tornou presidente da Câmara de Tirana e depois, em 2013, ascendeu ao cargo de primeiro-ministro, tendo sido reeleito quatro anos mais tarde. Mas o príncipe e a democracia não viveram felizes para sempre.
Quando foi eleito afirmava que queria mudar o sistema. Mas Rama não mudou o sistema, adaptou-se a ele para atingir as suas ambições”, sublinha, em declarações ao NOVO, Afrim Krasniqi, director do Instituto de Estudos Políticos (ISP) e professor na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Tirana.
“O Governo raramente se reúne e tudo é feito com alto secretismo. Quando é questionado pela comunicação social, Rama responde sempre da forma que melhor sabe: achincalhando todos. Lidera o país como um entertainer, e não como um primeiro-ministro”, lamenta Edlira Gjoni, directora do Impact Centre na Albânia e analista política.
Empate técnico
O principal opositor de Edi Rama na corrida eleitoral é o conservador Lulzim Basha, líder do Partido Democrático (PD), de centro-direita. Os dois são velhos conhecidos e esta será a terceira vez que se defrontam nas urnas.
O primeiro embate aconteceu em 2011, nas eleições para a Câmara de Tirana. Rama, então presidente da capital, perdeu a corrida para Basha por apenas 81 votos. O segundo confronto foi nas legislativas de 2017. O socialista vingou-se da derrota autárquica e levou a melhor ao recolher 48% dos votos.
Desta vez, a batalha eleitoral promete ser renhida. Os socialistas têm vindo a perder terreno nas sondagens e o mais recente estudo da estação televisiva Ora News aponta para um empate técnico, dando apenas um ponto percentual de vantagem a Rama. A isto acresce o facto de o Partido Democrático, apesar de concorrer sozinho, ter já um acordo de governo apalavrado com o Movimento Socialista para a Integração (LSI na sigla albanesa).
Esta terceira força política, de centro-esquerda, é liderada por Monika Kryemadhi, mulher de Ilir Meta, o actual Presidente do país.
Apesar de ocuparem quadrantes políticos distintos, Basha e Kryemadhi têm unido esforços para destronar Rama. Após várias manifestações a exigir eleições antecipadas, em Fevereiro de 2019, os dois líderes decidiram abandonar o Parlamento albanês retirando todos os seus deputados e, em Junho desse ano, recusaram participar nas autárquicas.
“Estou convencido de que a oposição irá vencer as eleições. Neste momento existe uma enorme insatisfação popular”, sublinha ao NOVO Altin Gjeta, comentador político e investigador da Universidade de Westminster no departamento de Relações Internacionais.
“Rama foi um dos mais incompetentes primeiros-ministros na história da Albânia”, defende este analista, que acusa o actual chefe do Governo de falsear eleições através da compra de votos e de estratégias de intimidação.
“O seu reinado fica marcado por uma erosão democrática. Além dos falhanços no combate à corrupção e ao crime organizado, tem perseguido jornalistas e encerrou órgãos de comunicação que o criticaram”, acrescenta Gjeta.
Bruxelas ainda longe
Seja qual for o vencedor das eleições de domingo, o próximo primeiro-ministro não terá pela frente uma tarefa fácil. A já empobrecida economia albanesa foi duramente atingida pela pandemia de covid-19. A recuperação económica, a luta contra a corrupção e o crime organizado e as reformas dos sistemas de educação e saúde são, na opinião de Altin Gjeta, os maiores desafios para os próximos anos.
Um dos grandes objectivos do país continua a ser a adesão à União Europeia. Esta é uma meta partilhada por todos os principais partidos, que não têm divergências assinaláveis em matéria de política externa.
“A integração europeia é o único caminho para o progresso e a linha divisória entre uma democracia funcional e a alternativa de um regime autoritário e nacionalista”, refere Afrim Krasniqi.
Os primeiros passos em direcção à Europa já foram dados: os Estados-membros, em Março do ano passado, deram luz verde para o início das conversações. Ainda assim, Bruxelas e Tirana continuam distantes.
“As hipóteses de adesão podem vir a ser reais, mas apenas daqui a uma década. O facto de não ser um projecto a curto prazo faz com que esse assunto tenha estado fora da campanha eleitoral”, lamenta o director do ISP.
Instituições às avessas
A política albanesa tem também sido marcada pelos conflitos entre as duas principais figuras do país. São frequentes os ataques entre o primeiro-ministro Edi Rama e o Presidente Ilir Meta. “Têm divergências pessoais e políticas. Vivem numa guerrilha constante pelo poder”, explica ao NOVO Edlira Gjoni.
“Ambos têm contribuído para a deterioração da imagem das instituições que representam, principalmente o Presidente, que se tem comportado como líder partidário”, sublinha Krasniqi.
“Esta situação cria a ideia de que não temos instituições sólidas, mas duas fortes figuras que partilham o poder e lutam para ver quem tem mais”, acrescenta o analista.
“O Presidente tem uma relação especial com a rotação da Lua. As suas declarações dependem da posição da Lua no momento em que fala”, afirmou Edi Rama em Setembro do ano passado.
Na mesma altura, Ilir Meta comparou o primeiro-ministro a um sequestrador que tem como reféns os albaneses e que acabará por ser derrotado.
O LSI, partido fundado por Ilir Meta, é agora liderado por Monika Kryemadhi, mulher do Presidente, que abdicou do estatuto de primeira-dama para se livrar de amarras no combate político contra Rama.
Apesar desta tentativa de distanciamento entre os dois, Edlira Gjoni explica ao NOVO que a situação levanta preocupações.
“Os albaneses não são muito entusiastas deste tipo de interligações e isso acaba por potenciar a desconfiança das pessoas relativamente aos políticos e à verdade da nossa democracia”, sublinha a observadora.
Prédios coloridos
Era uma vez um presidente da Câmara de Tirana que decidiu colorir as ruas da capital. O pintor e professor de Belas Artes, desagradado com o cinzentismo de alguns blocos de apartamentos típicos da arquitectura comunista, mandou pintar vários prédios em tons garridos, às riscas e com diversos padrões.
“Foi uma intervenção política com cores. E teve um efeito em cadeia. Depois de os prédios estarem pintados, as pessoas começaram a libertar-se das grades e dos tapumes. Nessas ruas conseguíamos cobrar 100% dos impostos devidos, em comparação com apenas 4% noutras zonas.
Os habitantes aceitavam pagar para a cidade porque, através das cores, perceberam que a cidade existia”, explicaria Edi Rama em entrevista ao britânico The Guardian.
Será este o mesmo homem que agora é acusado de uma governação autoritária e autocrática? “Sim. Não acredito que tenha mudado. Continua a ser o mesmo político excêntrico que tem apenas como objectivo a manutenção do poder.
Inicialmente era muito apelativo por causa do estilo e da capacidade de comunicação mas, depois, a generalidade dos analistas e do público perceberam que é alguém que está mais preocupado com as aparências e com as fachadas do que com as reformas democráticas”, responde Altin Gjeta.
Para Edlira Gjoni, houve uma mudança. “Hoje é uma pessoa diferente se compararmos com o jovem Edi Rama, que liderava a Câmara de Tirana com esperança, classe, abertura, visão e modéstia.
Transformou-se em alguém arrogante, que não aceita críticas e está cada vez mais convencido de que tem superpoderes”, explica a directora do Impact Centre.
“Ao contrário de muitas vozes no Ocidente, não vemos Rama como um novo líder de uma Albânia moderna, mas sim como um dos últimos líderes do período de transição”, defende Afrim Krasniqi.