Em plena pandemia, um amigo explicava-me que quando saía para ir ao supermercado, além das máscaras e luvas, levava também uns tampões nos ouvidos. Outro referia que não podia ir a casas de banho públicas, pois o vírus poderia entrar por um dos orifícios que ficariam expostos. Imagino que deve haver milhares de histórias como estas, dos tempos em que tudo deixou de fazer sentido. São inesquecíveis, pois são caricaturais.
Mas, nos últimos tempos, o assunto “pandemia” desapareceu das conversas das pessoas. Parece haver uma vontade coletiva de criar uma amnésia sobre esses tempos. Seja por nos sentirmos embaraçados por atitudes que tomámos na altura e que convém esquecer, ou porque, como humanos, temos uma tendência natural para apagar memórias negativas.
Vamos sempre lembrar-nos do dia em que fomos a correr para casa e dessa primeira semana de confinamento, mas sobre os tempos que se seguiram, tirando alguns casos anedóticos, parece haver um esforço coletivo para o esquecimento.
Nunca fui um negacionista e fui a correr tomar as minhas duas doses. Mas quando foi o tempo da terceira dose, como muitas pessoas, comecei a achar que já nada, sobre esta pandemia, fazia sentido. Parece que estivemos enfeitiçados por uma narrativa e que de repente, coletivamente, acordámos e deixámos todos de acreditar ao mesmo tempo. De repente, quase tudo deixou de fazer sentido e rapidamente voltámos à nossa vida e hábitos anteriores.
Durante uns tempos, na pandemia, pensei que seriam necessários muitos anos até as pessoas voltarem a sentir-se seguras no meio de muita gente e que até o simples abraço seria uma coisa do passado. Houve alturas na longa noite pandémica em que acreditámos que haveria um “novo normal”. Afinal, o “novo normal” rapidamente ficou igualzinho ao “antigo normal”. Mesmo ao escrever esta crónica parece que estou a descrever algo irreal, que todos sonhámos ao mesmo tempo e que já foi há muitos anos.
No entanto, ainda há menos de um ano, em setembro de 2022, a Organização Mundial da Saúde discutia a pandemia. Foi só há um ano. Desconfio que, se dependesse dos especialistas em saúde, ainda estaríamos confinados em casa. Se não fosse por causa da covid-19 seria por outra razão qualquer. Nem que seja porque eles, até hoje, não fazem grande ideia do que se passou, de como começou e como acabou.
Ouvindo alguns técnicos e governantes a falar sobre esses tempos parece-nos que eles lideraram o processo e sabiam o que estavam a fazer. No entanto, o confinamento começou voluntariamente, quando as pessoas decidiram ficar em casa. Só depois é que foi oficialmente decretado pelo governo. E também foram as pessoas que “decretaram” o fim dessa reclusão. Simplesmente começaram a sair de casa, a medo, e descobriram que o mundo continuava igual cá fora. O governo andou sempre a reboque das pessoas e os técnicos continuam sem saber o que se passou.
Mas esta amnésia coletiva ainda é mais estranha pois ninguém quer saber como tudo surgiu nem parece haver interesse em fazer um balanço do que correu bem ou mal. Parece que queremos passar uma esponja sobre algumas medidas que foram tomadas, erradamente, tanto em termos sociais como médicos. Os atropelos às liberdades individuais são indesculpáveis e devem ser punidos para que, no futuro, nenhum governo volte a sentir essa vontade totalitária de ignorar a Constituição.
Era óbvio na altura que foram cometidos muitos erros e alguns políticos querem agora fazer-nos crer que tiveram um comportamento heroico quando, na verdade, andaram de um lado para o outro sem saber o que fazer e a prometerem o que sabiam que seria impossível de cumprir. A nossa amnésia é conveniente para algumas carreiras políticas que querem ganhar projeção.
Temos sempre a esperança de que eventos que abalam a nossa rotina nos mudarão e que o mundo será diferente e melhor no futuro. Nos nossos confinamentos imaginávamos que o mundo seria mais solidário a seguir e que, confrontados com incertezas sobre as nossas vidas, todos viveríamos valorizando o que realmente importa na vida. A recente vinda do Papa e toda a comoção que provocou também alimentaram a esperança de que seríamos uma melhor sociedade a seguir. Mas, como dizem os militares, todos os planos se desfazem quando confrontados com a realidade.