Na democracia do sofá que construímos desde o 25 de Abril, cada vez há menos lugar para todos. Não há lugar para todos se sentarem e o país e os portugueses não se podem dar a esse luxo. É um país dividido entre os oportunistas, os que não têm oportunidades, os que querem criar riqueza, e os privilegiados. Um país a diferentes velocidades, cheio de desigualdades e que a pandemia veio exponenciar.
Portugal é um país estagnado há 20 anos do ponto de vista do crescimento económico, fruto de políticas erradas e que tem conseguido melhorar alguns índices relacionados com qualidade de vida, saúde, educação e do ponto de vista social, à custa de uma dívida pública sem precedentes, e de uma carga fiscal cada vez maior sobre os contribuintes. Até aqui nada de novo. Uma política que facilmente se entende não é sustentável, inimiga dos empreendedores, que leva à emigração dos recursos humanos mais brilhantes e qualificados do país, e que vai criando cada vez mais assimetrias regionais, desigualdades sociais, pobreza e injustiça para os portugueses. Uma democracia em que muitos políticos têm uma visão utilitária da mesma – primeiro servem-se a eles e aos seus, e depois, com um pouco de sorte, servem o povo que os elegeu. A novidade reside no facto de persistirmos no mesmo modelo de desenvolvimento, uma novidade que nos devia levar a ser alvo de um estudo.
Uma das perguntas que o Estado enquanto pessoa de bem devia saber dar resposta é como pode este, através de políticas e estratégias de desenvolvimento económico regional e local, ajudar a criar valor. De que forma as nossas políticas públicas podem ajudar a criar valor para a sociedade? A esta pergunta, devem os nossos eleitos e nomeados procurar dar resposta, procurando alternativas aos modelos de desenvolvimento implementados, e que sejam capazes de inverter a curva descendente da prosperidade em que nos encontramos desde alguns anos a esta parte.
Apesar de alguns teimarem em acreditar que o estado pode e deve ser o motor da economia, não é possível distribuir riqueza sem a criar. Não só o estado não cria valor, como não é seu papel criá-lo. Aqueles que acreditam que cabe ao estado ser o motor da economia para que haja um estado social para todos, e que são os mesmos que insistem na receita do aumento de impostos e da dívida pública, têm de entender para o bem de todos que estão no meio de um paradoxo.
No livro The “Value of Everything: Making and Taking in the Global Economy”, da economista Mariana Mazzucato, a autora refere que para o humilde cidadão, porém, pode não ser tão óbvio que o governo não cria valor. Já vimos três maneiras de fazê-lo: salvando os bancos; investindo em infraestruturas, educação e ciências básicas; e financiando tecnologias inovadoras e disruptivas que poderão ajudar a transformar as nossas vidas. O ponto crucial é que muitas dessas atividades envolvem assumir riscos e investir – exatamente o que a austeridade não faz – mas, ao fazê-lo, criam valor. No entanto esse valor não é facilmente visível, pela simples razão de que grande parte dele vai para os bolsos do setor privado.
Numa entrevista ao The Economist de Maio de 2019, a mesma autora refere que “o problema não é dar aos governos mais ou menos papel nos modelos de desenvolvimento a implementar. O problema é que tipo de papel. Há mais corrupção e captura indevida de dinheiros públicos, quando o governo tem apenas um papel de atribuição de subsídios, ou o assumir de diferentes formas de garantias, ou através de cortes nos impostos, em lugar de investir ambiciosamente para criar novas oportunidades.” De forma resumida, os desafios do tempo que vivemos, devem ser assumidos na forma de missões, mas estas devem ser co-criadas entre o sector público e privado, usando todos os mecanismos e meios disponíveis de forma a que as mesmas tenham o maior impacto possível. O capitalismo necessita de se re-inventar.
Um bom exemplo desta mudança de paradigma teve lugar durante a crise do aço na Alemanha. O estado decidiu apoiar a indústria, mas negociou e contratualizou que as empresas apoiadas tinham de baixar as emissões de CO2. As empresas aceitaram, reviram processos e procedimentos, eficiências e redução da quantidade de material usado e alcançaram os objectivos definidos.
A receita dos impostos e da dívida pública com que temos sido fustigados, em que o estado parece ter um papel de extrair apenas recursos da economia, é a receita que com o condimento das cativações e de um investimento público ao nível mais baixo de sempre, nos levou à estagnação e nos vai levar à miséria. Teimar em persistir na mesma receita, e esperar resultados diferentes, fazendo tudo da mesma forma, só serve aqueles que vivem sentados no sofá da nossa democracia.