A instabilidade política que vivemos tem mesmo para quem, ao longo dos últimos 30 anos, viu e viveu, por dentro, crises políticas, dissoluções e eleições, alguns aspetos quase inéditos. O primeiro, a velocidade com que os factos danosos para o governo, a inépcia e as demissões se sucedem. O segundo, o caricato das cenas de violência interna, de que o episódio Galamba foi só o ponto mais alto e mais ridículo. Tudo isto acontece por uma razão simples, que tem escapado à maioria dos comentadores e analistas. O pano de fundo destes episódios é a guerra interna de sucessão no PS. É por isso que tudo vem parar cá fora, e é também por isso que isto não vai parar.
Percebendo que já não tem mão nesta guerra, a jogada de António Costa, mais do que poker, é aquilo a que no xadrez se chama uma cilada. Um movimento pelo qual se cria ao adversário a aparência de poder obter vantagem, atraindo-o assim para cair numa armadilha de que só se vai aperceber, em regra, tarde demais.
Costa procurou atrair o Presidente para a dissolução, dando-lhe de bandeja o pretexto perfeito para isso, o que levaria a eleições antecipadas.
Seja porque acha menos mau ir a votos agora; porque se quer ver livre da comissão de inquérito, ou porque, pura e simplesmente, está farto e quer ir embora. O certo é que Costa criou, efectivamente, uma armadilha. Fê-lo, sem olhar a meios, utilizando uma encenação de demissão e sacrificando, sem vacilar, o seu peão João Galamba. Este, das duas uma: ou era demitido (menos mau) ou era completamente desautorizado, a ponto de ser publicamente tratado de irresponsável e inconfiável pelo chefe de Estado, como acabou por acontecer.
Não sendo um clássico gambito de rei, este movimento pode ficar conhecido como “o Galamba de mestre”. Uma cilada em que, não resolvendo nenhuma das questões estruturais do governo, nem contribuindo, em nada, para melhorar a governação do país, condicionada pela guerra interna no PS, se coloca o “adversário” perante um dilema: ou dissolver, dando vantagem ao prevaricador. Ou não fazer nada, correndo o risco de dar uma ideia de fraqueza.
Partilhando os argumentos da generalidade dos partidos de direita (incluindo o meu) contra este desgoverno, confesso que se tivesse sido perguntado sobre o que fazer (o que nunca aconteceria), recomendaria ao Presidente algo de muito próximo daquela que foi a sua escolha. Marcelo esteve bem. Bem na clareza e contundência com que analisou o passado recente; mas também esteve bem quando não fez a vontade ao primeiro-ministro, obrigando-o a arcar com as consequências da sua decisão. Esteve bem porque a principal coisa a fazer, perante uma cilada… é não cair nela. Pelo contrário, ter frieza e pensar mais à frente. Faço a justiça a Marcelo de, na sua decisão, ter ponderado não só os riscos, mas simultaneamente a protecção do interesse nacional.