Há muitos anos preparava-se o lançamento da SIC Notícias, que seria o primeiro canal noticioso em Portugal a emitir durante 24 horas. O director desse canal, o muito dinâmico jornalista Nuno Santos, foi ao programa do Herman José ser entrevistado sobre esse novo projecto. Não me lembro de nada da entrevista excepto quando o Herman pergunta ao Nuno Santos se faria sentido haver um canal de notícias num país como Portugal, onde pouco acontece que seja verdadeiramente noticiável. Todos sabemos a resposta a essa pergunta.

É esta a angústia do cronista quando se senta para escrever a sua crónica semanal e quer parecer relevante comentando a actualidade. A verdade é que nada que mereça uma crónica aconteceu. Foi mais uma semana sem assuntos de grande interesse na nossa parvónia. Nada acontece nesta pasmaceira a que chamam Portugal.

Ontem, o assunto do dia foi o desmaio do nosso Presidente. E o país entrou em alvoroço. Todos os canais interromperam as suas emissões e o povo opinava categoricamente sobre esse assunto. Em cada português há um médico patologista pronto a sentenciar um diagnóstico. E os tais canais noticiosos do país sem notícias não se fizeram rogados e toca a discutir o assunto a todas as horas. Um dos canais noticiosos esteve mais de uma hora a discutir o desmaio do Presidente, com um painel de comentadores que não devem ter nada de mais útil para fazer nas suas vidas. Entrevistavam médicos, enfermeiros, tudólogos e outros desocupados que foram lá comentar sem nada saber nem perceber do assunto. Horas e horas de emissão e directos nos telejornais para discutirem um assunto que, se me tivessem chamado a comentar, eu teria resumido da seguinte forma: “O senhor é idoso, sentiu-se mal e desmaiou. Os velhos desmaiam mais, é normal. End of story.” Deve ser por isso que raramente sou convidado a comentar nas televisões. Das vezes que lá fui, mandei umas bojardas e nunca mais repetiram o convite. Não sou apresentável.

O segredo dos canais noticiosos é fazer debates entre comentadores. É tempo de antena barato e não dá muito trabalho a preparar. Todos sabemos que uma reportagem de investigação custa dinheiro a produzir e que não há tempo nem recursos para isso. O caminho mais fácil é convidar uns comentadores e deixá-los falar durante uma hora. Não é verdadeiramente notícia, mas enche o chouriço. Costuma-se dizer que no news is good news mas, no caso português, é no news is boring news.

Mesmo os nossos telejornais funcionam quase sempre com a mentalidade de rádio. A maior parte das notícias são umas imagens fixas sobre o assunto que se vão repetindo continuamente, enquanto o locutor debita um texto qualquer em voz off. E assim temos uma televisão que é uma rádio mas com imagem em movimento, embora sejam sempre as mesmas imagens em loop. Não é verdadeiramente televisão, mas é mais barato e não dá tanto trabalho.

Eis, pois, a angústia do cronista: querer comentar os assuntos da semana e constatar que não há verdadeiramente assuntos com o mínimo de interesse.

Poderia tentar uma graça com o relatório da TAP, em que o dr. Costa disse, para nosso espanto, que ainda não o tinha lido, quando foi ele que o escreveu. Talvez ele quisesse dizer que ainda não tinha comparado a versão final que veio a público com a versão que ele elaborou, para verificar se não tinha havido nenhuma gralha no copy & paste.

Se ao menos eu fosse um cronista mais esquerdóide, sempre poderia escrever uns lugares-comuns sobre um acontecimento internacional qualquer. Bastaria juntar umas frases feitas, culpar o FMI, a polícia ou o Passos Coelho, et voilà, tínhamos crónica que seria aplaudida entusiasticamente pelas ovelhas todas que repetem esses lugares-comuns ad nauseam.

Um cronista progressista não escreve com o intuito de ser original, escreve para mostrar que repete todas as opiniões obrigatórias da ortodoxia. Sobre determinado assunto faz uma check list para ter a certeza de que não falhou nenhum lugar-comum e também para verificar se, por acaso, não escapou um pensamento original. Tudo menos originalidade.

Má sorte ser um cronista português e, ainda por cima, não ser progressista.