Não há introdução simpática para este tema. Retenha o número médio de vítimas que consta do relatório de 2020 da APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima:
Mulheres: 8.720 no ano, 167 por semana, 24 por dia
Crianças: 1.841 no ano, 35 por semana, 5 por dia
Homens: 1.627 no ano, 31 por semana, 4 por dia
Idosos: 1.626 no ano, 31 por semana, 4 por dia
Houve registo de 14.854 crimes de violência doméstica e demasiados crimes de abuso sexual de menores. 51 pessoas foram assassinadas neste contexto. Mais de 70% das vítimas são mulheres com uma média de idade de 40 anos.
Podia citar todo o relatório que arrepia, assusta, entristece e, pior, demonstra uma clara tendência de aumento de casos em relação a 2019.
É desolador.
Trabalhamos como sociedade para muito. Discordamos sobre tanta coisa. Criticamos, ferozmente, aqueles com visão diferente da nossa. Assistimos, impávidos, ao ataque permanente, gratuito e insultuoso a quem pensa noutra caixa. Mas sobre isto não pode haver divisão. É imperioso agir e fazer mais.
Pelo menos 14.854 vezes no ano passado, uma vítima foi privada de liberdade, na sua casa, às mãos do respetivo companheiro. 51 vezes de forma definitiva.
Quando temos tantos tristes exemplos do aparente falhanço da Justiça e das Instituições, é fácil que números como estes nos despertem sentimentos complicados. É simples ter esta informação usada como propaganda radical para penas inconstitucionais. Difícil mesmo é preparar e percorrer o caminho que falta para acabar com este drama.
Já todos assistimos a reportagens e lemos sobre o facto de ser crescente a violência no namoro, entre adolescentes. Pergunto-me como é possível, numa altura em que se discutem tantos temas quase transcendentes, que nos tenhamos deixado regredir a este ponto de boçalidade. Acredito sem qualquer dúvida que é na educação que temos que insistir como resposta. É um processo demorado, para décadas, mas é aqui que reside o âmago do que faz de nós uma sociedade melhor ou pior. Urge apostar de forma séria, constante e permanente na educação de todos, para que, sem exceção, se perceba que comportamentos abusadores não são aceitáveis e não são culpa da vítima. Façam-se campanhas nas escolas, stories no instagram e videos no TikTok, recuperem-se as cassetes dos anúncios públicos para intervalo nas novelas e telejornais, mas faça-se ainda mais, incessantemente!
É também fundamental retirar de imediato as vítimas do agregado em que são perpetrados os crimes, mesmo enquanto as instâncias judiciais atuam. Presentemente, as vítimas são encaminhadas para instituições como a APAV e outras entidades privadas, sendo nula ou muito curta a resposta pública. O Plano de Recuperação e Resiliência entregue agora por Portugal à Comissão Europeia contempla 176 milhões de euros para a criação de uma Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário. Muito bem, está lá. Mas é tão pouco! São apenas 2.000 alojamentos temporários para todas as situações de necessidades transitórias, não apenas estas.
Se há matéria para a qual é necessária a intervenção do Estado, esta será uma delas. Proteger, fisicamente, quantos necessitam dessa proteção, é o mais básico apelo de ajuda à sobrevivência que pode ser endereçado ao Estado. Um País resiliente saberia responder. O nosso falha vezes demais.