Qual é a sua primeira recordação de ver televisão em criança?
Tocamos num ponto que me parece fundamental: eu não me lembro da minha vida sem televisão. Tenho uma verdadeira paixão pela televisão: gosto, consumo e, desde muito pequenina, a minha vida passava muito pela televisão. E tenho ainda esse hábito: chego a casa e vou ligar a televisão, porque a televisão sempre foi uma companhia. Não me lembro de não ter a televisão ligada. Infelizmente, nos dias de hoje, já não há muito essa tradição, mas eu adorava aquele momento em que eram oito da noite e a família se reunia para ouvir o “Telejornal”.
Em vez de estar cada um no seu iPhone ou iPad?
Sim. No fundo, tínhamos a capacidade de aprender sobre o mundo todos ao mesmo tempo, de colocar questões e tentar perceber o que se estava a passar. Hoje em dia, confesso que não faço isso com os meus filhos. Acabo por fazer mais com o pequenino, que me faz mais companhia, porque os horários são mais compatíveis. E é engraçado como eu tento perceber a perspectiva do mundo através dos olhos dele, que é tão diferente da minha.
Ainda se lembra de haver só dois canais ou havia hipóteses em sua casa?
Não. Lembro-me do início da SIC e de ter sido um marco. E lembro-me perfeitamente do início da TVI.
Não havia antena parabólica lá em casa?
Já não me lembro. A TVI começou quando eu tinha nove anos. Portanto, para mim, a vida é já com essa leva.
Apesar dos estúdios da RTP, a televisão era uma coisa distante para quem estava a crescer no Porto?
Não. Fui ao “Praça da Alegria”, apresentado pelo Goucha, quando era pequenina, para desfilar. Era assim gordinha e lembro-me perfeitamente de ir à “Praça da Alegria” e de ter adorado a experiência. Por acaso, nunca vi imagens disso e até gostava de ver, porque deve ser muito engraçado, mas não tenho acesso a isso. Ainda não devia ter dez anos, devia ter oito anos ou assim. Sabia que havia uma televisão perto, e em pequenina também fiz alguns anúncios de televisão gravados aqui no Norte. Portanto, desde muito pequenina tive contactos com câmaras e gostava de observar. Era distante, mas tínhamos aqui a nossa televisão também.
Qual foi o impacto inicial de estar num estúdio?
Eu adoro observar. Ainda hoje gosto muito de me sentar num café, muito sossegadinha, só a ver como as outras pessoas interagem. E fiz isso naturalmente quando cheguei àquele estúdio de televisão, com aquelas pessoas todas e as luzes. Observei com muita atenção e a experiência de que me lembro foi muito boa.
Suponho que a sua família não a levasse muito para o ramo da comunicação, apesar de o seu tio [Batata Cerqueira Gomes] estar ligado à discoteca Twins...
Sempre foi uma família com outras referências - ainda estive um ano em Direito - , apesar de, em pequenina, e principalmente em casa, ser muito expressiva. Eu imitava o João Baião e o Marco Paulo...
A atirar o microfone de uma mão para a outra?
Adorava. E adorava imitar as meninas do João Baião a dançar atrás dele. Eu era essa pessoa em casa. O meu pai e a minha mãe percebiam que gostava disso, mas nunca lhes ocorreu que eu iria ter uma profissão ligada à comunicação - muito menos quando engravidei aos 19 anos e houve uma mudança de rumo na minha vida. Percebiam que eu gostava, mas era uma realidade muito distante para eles.
Quando entrou para o Porto Canal, já se tinha licenciado em Marketing?
Estava no último ano e acabei por fazer o meu estágio no Porto Canal, e a minha tese também sobre o Porto Canal.
Mas a ideia não era estar à frente das câmaras, ou era?
Não era, mas antes de o Porto Canal abrir houve um casting. Eu fui e fiquei. Foi tudo muito natural, mas não era esse o meu objectivo. Na minha cabeça, ia entrar numa empresa, numa Sonae, e seria essa a minha vida. Mas o que tem de ser tem muita força, e é isso que é engraçado, porque muitas vezes penso nisto: poderia ter tomado atitudes que me levassem a uma vida diferente, mas, na realidade, estava tudo feito para que isso acontecesse. Muito provavelmente, se eu não tivesse tido a Francisca [filha mais velha], não estaria em Portugal, porque iria para fora; se eu estivesse fora, não teria ido ao casting para o Porto Canal e não tinha começado a fazer televisão. Acho que as nossas decisões nos fazem encontrar o nosso caminho.
Quase como se houvesse um plano que temos de interpretar?
Exacto. É estranho pensar nisso, mas se eu tivesse tomado a decisão de não ser mãe aos 19 anos - o que poderia ter ocorrido, não julgo ninguém -, a minha vida teria sido outra e bem diferente. Penso muitas vezes nisso e dou graças a Deus por ter tomado as decisões que tomei. Mudou-me completamente a rota. Lembro-me de estar a mudar fraldas enquanto as minhas amigas estavam a fazer Erasmus, que foi uma realidade que nunca conheci - e tinha a certeza de que iria conhecer. Se calhar, é uma ideia minha que pode estar errada, mas acho que as nossas atitudes têm todas consequências, mais cedo ou mais tarde, e eu sinto as consequências das minhas decisões até aos dias de hoje.
Quais eram as suas expectativas no Porto Canal? Imaginava-se a fazer carreira lá para sempre?
No início, confesso que não. Primeiro, tive plena consciência de que tinha muito que aprender. Em termos de dicção... Eu não sabia nada, não é? Não estudei comunicação, não tive aulas, não fiz um workshop, nada. Aprendi a fazer televisão a fazer televisão, e isso tem as suas consequências, boas e más. Nos primeiros dois ou três anos, não estava a pensar... Sabe quando se tem a nítida sensação de que a margem de progressão é grande e que se precisa de tempo? Tive a sorte de ter esse tempo porque estava no Porto Canal. Se estivesse na TVI, na SIC ou na RTP, não o teria. Depois, estava a trabalhar com profissionais que já tinham vindo da NTV e os meus directores já tinham uma certa experiência em televisão, pelo que tive oportunidade de aprender com eles. Tinha quem me poderia ensinar, e nos primeiros anos estive a beber um bocadinho e a tomar consciência do que era fazer televisão. Aprendi a fazer televisão muito à minha maneira, por tentativa e erro. A partir de certa altura, em que já tinha alguma confiança no que andava a fazer, foi inevitável: quem tem um mínimo de ambição, quer crescer e ama televisão quer ir para um canal generalista, quer dar o salto. Mas a verdade é que sonhei com isso durante muito tempo e, quando veio o convite, claramente, já não estava à espera, sou muito sincera. Estava ali nos 36 anos, tinha acabado de ter um filho e tomado decisões na minha vida. Já não punha a hipótese de mudar.
Era mais cómodo para a vida pessoal manter-se ali.
Era, era, mas já aprendi que, apesar de não ser propriamente - como é que posso dizer isto?... - muito óbvia, apesar de não ter uma postura muito marcada no trato, não me deixo ficar pelo cómodo. Gosto de desafios, sinto que sou capaz de ir e não me travo. Aconteceu, e eu fui.
Quem fez a abordagem?
O Bruno Santos [então director de programas da TVI], a pedido do José Eduardo Moniz.
Percebeu imediatamente o que viam e esperavam de si?
Eles foram muito claros. O José Eduardo Moniz, porque era meu telespectador no Porto Canal, sabia exactamente o que eu fazia em televisão. Só que havia uma diferença, não é? Eu era a rainha do Porto Canal, onde trabalhava há 12 anos e fazia um produto que tinha o meu nome, à minha imagem, com uma equipa que sentia como uma família, o que para mim é muito importante. Estava perfeitamente à vontade - os telespectadores eram a minha família, estavam ali no Porto Canal porque queriam ver aquele conteúdo. E quando passei para a TVI houve um período em que ainda não tinha a base que para mim é necessária para fazer a televisão de que gosto. O telespectador estava lá, mas não era para me ver a mim.
Quando muito, tinha curiosidade.
Não me conheciam. Houve um período de conquista que foi um grande desafio e, acima de tudo, um período de persistência. As relações precisam do seu tempo e a minha relação com o público nacional precisou do seu tempo. Eles precisaram de me conhecer, e não se conhece de um momento para o outro. E depois sabe-se tudo o que esteve envolvido nesse processo.
O mais prudente teria sido agradecer muito o convite e ficar no Porto Canal?
Provavelmente. O mais prudente, sim. O que me fazia vibrar e me dava as ganas de viver, de todo. A verdade é que não me arrependo de nada. Se me perguntasse, querias voltar para ali? Se eu tivesse opção, não. Mas precisei daquilo, aquilo fez-me bem. A vida não é só fácil. Isto transformou-me e foi transformador. E ainda bem. Claro que, se temos a opção de não voltarmos aos sítios que nos fazem crescer, que são mais duros, mais negros, óptimo. Mas, olhando para trás, estamos todos aqui para aprender e para crescer. Tive uma oportunidade única de crescer e de me transformar. Portanto, agradeço isso.
Ficou a conhecer na primeira pessoa o que acontece a um jogador que vem substituir o Cristiano Ronaldo...
Se fui escolhida para isso é porque, de alguma forma, viram alguma coisa em mim. Mas não é fácil.
Mas era elogioso, ao mesmo tempo, estar a ser escolhida para o lugar que tinha sido de Cristina Ferreira?
Muitas das grandes profissionais que fazem o que eu faço, muito provavelmente, gostariam de estar no meu lugar, por um lado, mas, por outro, agradeceram muito por não estarem. Foi duro.
Manuel Luís Goucha admitiu recentemente que os primeiros seis meses foram horríveis e que a descurou enquanto nova parceira. Sentiu-se desacompanhada?
Vamos tentar passar isto da forma como eu vejo, porque é a pura verdade. Vinha de um sítio que era casa para um sítio que não me era nada, era só um sítio que eu via em casa, desde pequenina, na televisão.
Quase como uma princesa que chega a uma corte estrangeira?
Sim. E a verdade é que senti que, em nenhum momento, o Manuel estava à espera do que vinha aí. E quando se deparou com aquela avalanche, como eu disse também à Iva [Domingues], nessa mesma entrevista, nós não tínhamos intimidade para receber a avalanche de mãos dadas. Foi cada um por si a tentar não morrer no meio daquela neve toda. Foi um processo muito difícil para mim, mas foi um processo muito difícil para ele. E tenho a percepção de que cada um tentou fazer o melhor que sabia na altura, porque ninguém nos tinha dado um manual a dizer o que ia acontecer. Não havia um plano de acção. Foi um processo natural. Não há um mínimo de ressentimento, nem eu com ele, nem ele comigo.
Acaba por haver sobretudo uma avaliação de que poderia ter corrido melhor, mas as circunstâncias eram o que eram naquele momento.
E a verdade é que, mais uma vez, olhamos para trás, vemos que foi difícil, mas tivemos a capacidade de ultrapassar e perceber. Percebo perfeitamente todas as atitudes que ele teve, e ele percebe perfeitamente tudo aquilo que eu passei. Não há melhor final para esta nossa dupla.
Sentia angústia à medida que iam chegando os relatórios de audiências ou quando o “Programa da Cristina” teve direito a um telefonema do Presidente da República na primeira emissão?
Senti. Nunca tinha visto uma audiência no Porto Canal e até isso foi uma realidade nova. E tive pena, porque era uma menina vinda do Porto, estava ao lado do Goucha e também queria um telefonema do Presidente. [risos] Estava descentralizada, e também merecia, acho eu. A Cristina fez tudo muito bem feito - mérito dela, uma salva de palmas para ela. E nós tivemos o que tivemos, e pronto.
Quando deixou o “Você na TV” pensou que isso poderia representar o fim desta etapa da vida profissional?
Quando recebi o convite para fazer “A Tua Cara não me é Estranha”, no domingo à noite, antes de aceitar falei com o Bruno Santos, na altura meu director, e disse-lhe que não queria renovar o contrato. Tenho um princípio: faço todos os sacrifícios que preciso de fazer para estar na televisão - esta semana vou três vezes a conduzir para Lisboa; ontem fui e vim, amanhã vou e venho, e no sábado a mesma coisa. Faço o que for preciso. Para fazer televisão estou cá eu, mas tenho de estar feliz. E, a certa altura, comecei a fazer um balanço e a verdade é que não era feliz. Estava a sacrificar-me, e não só a mim - nós, mulheres, temos de pensar na nossa família e nos nossos filhos. E sacrifiquei-me por algo que não me estava a trazer felicidade. Tive de pôr tudo na balança e percebi claramente que a única vantagem naquele momento, para mi de fazer televisão era financeira. Disse que não ia renovar e depois houve muitas reviravoltas, muitos directores, muito vai e volta. “Queremos a Maria, não queremos a Maria, queremos a Maria, não queremos a Maria.” A verdade é que, no momento em que disse que não ia renovar, obviamente que pus a hipótese de que ele dissesse que então não queria que eu fizesse “A Tua Cara não me é Estranha”, porque era uma aposta, e que me dissesse “vai à tua vida, vai para a cidade do Porto”. Tive consciência de que poderia deixar de fazer televisão.
Foi uma vitória continuar a fazer televisão?
É uma vitória continuar a fazer televisão. Hoje em dia é um luxo termos a capacidade de nos levantarmos de manhã e fazer aquilo de que mais gostamos na vida. Portanto, é uma vitória diária e é assim que eu a sinto.
Foi mais confortável, depois do primeiro impacto com o Goucha, fazer dupla com apresentadores com menor experiência enquanto tal, como Pedro Teixeira ou Ruben Rua?
Não vejo as coisas como mais ou menos experiência porque, com o Goucha, ainda hoje aprendo. Quantas vezes estou aqui na minha vida, com a televisão ligada, paro e digo: “Caraças, este gajo é mesmo bom!” Eu aprendo, bebo dele. Os outros têm sido experiências muito boas, porque não gosto de trabalhar sozinha em televisão. Gosto de trabalhar em dupla e em equipa. Se me disseram “amanhã vais apresentar um programa sozinha”, acho muito mais giro apresentar com um colega e espero sempre ter uma óptima relação com ele. Tenho tido a sorte de ter oportunidade de trabalhar com muita gente ao longo destes anos. E eu gosto mesmo é disso. Fazer programas de daytime sozinha é um suplício porque precisamos da contracena e de ter alguém para construir uma história.
É essencial ter muito boa relação com essas pessoas, serem pessoas com as quais seria capaz de se deixar cair para trás sem medo de não ser apanhada?
Para mim não há outra hipótese que não seja ter uma óptima relação com a pessoa que está ao nosso lado, a fazer televisão e em qualquer outra parte. Primeiro, porque o público é tudo menos burro e topa a léguas se assim não for. Depois, o meu trabalho vai brilhar muito mais se o trabalho do meu colega brilhar, num espírito de interajuda e de amizade - isso tem acontecido sempre, e tenho um feitio que me permite ter essas boas relações a trabalhar. Tenho bom feitio a trabalhar e não faço muitas ondas. Acabo por ser sempre o polícia bom nas duplas. [risos]
Faz sempre falta quem tenha esse papel...
Acho que é importante. Tenho-me complementado muito bem com o Ruben, e com o Pedro também aconteceu. Tenho tido muita sorte.
Sente que já pode dar bons conselhos a quem começa na apresentação?
Acho que só devemos dar conselhos quando nos pedem. [risos] Não me sinto mais do que ninguém. Já faço televisão desde 2006. Alguma noção eu tenho... Acho que já consigo dar a minha visão do que é a televisão e do que gosto de fazer na televisão, mas sou mais de ouvir do que de falar.
Olhando para tudo o que já fez em televisão, há alguma coisa que gostasse de apagar, por inexperiência ou por não se rever?
Milhares de coisas no Porto Canal, provavelmente. Tenho uma certa dificuldade em ver-me. É o exercício mais difícil que faço em televisão - sempre que me vejo, a frase que vem à cabeça é “realmente há gostos para tudo”, porque eu odeio tudo, odeio a voz, fico nervosa, começo a suar. É um exercício muito difícil ver-me. Perante esta resposta que estou a dar, muita coisa gostaria de apagar, mas também faz tudo parte do processo.
Uma parte importante da atenção mediática dada aos apresentadores e a outros profissionais de televisão tem a ver com a vida privada. Aprende-se a lidar com isso?
Aprende-se. Primeiro, tenho uma postura clara: não falo da minha vida privada. As pessoas juntam-me, separam-me, voltam a juntar-me, voltam a separar-me, e, a certa altura, o que sinto é que as pessoas acreditam piamente que eu estou com alguém ou acreditam piamente que estou separada. É uma questão de lidar com isso. Quando temos filhos, obviamente que há uma gestão difícil e eu aprendi a ser muito mais privada do que era no Porto Canal. A melhor postura é dizer que a vida privada é privada - e é assim que quero que fique - e a vida pública é vida pública. Mas é inerente à profissão. Se eu não quiser que falem da minha vida privada vou trabalhar para o banco das nove às cinco. Não tenho ilusões. É assim em todo o mundo. Porque havia de ser diferente em Portugal? É óbvio que falam da minha vida privada e temos de lidar com isso. A profissão não é só um mar de rosas.
Reconhece que há quem entre voluntariamente nesse jogo perverso de ganhar notoriedade ao dar acesso à sua vida?
Neste mundo, nada me surpreende. Mas acho tão mau que prefiro não pensar nisso.
Qual é o seu recorde semanal e mensal de viagens entre Porto e Lisboa?
Não sei. Esta semana fiz três, na semana passada fiz duas... Tendo em conta que o mês tem quatro semanas, dará umas 12.
E quanto marca o conta-quilómetros do seu automóvel neste momento?
O meu carro é trocado de seis em seis meses. Tenho uma parceria com a BMCar e eles ligam-me, assustados, e dizem: “Não acredito, troca já!” Eu, os senhores da Brisa e os da distribuidora Luís Simões vamos todos ao mesmo. Ainda para mais, trabalho muitas vezes em Bucelas ou em Queluz. A TAP é um desespero e há duas semanas, em que fui também para aí umas três ou quatro vezes a Lisboa, tentei o comboio, mas havia greve. Não dá. E não vou parar em Santa Apolónia para depois demorar mais meia hora a ir para Bucelas.