Espanha: autárquicas e regionais no caminho para a clarificação

Eleições regionais e autárquicas em Espanha são encaradas, mesmo tendo em conta todas as particularidades, como um ensaio geral para as legislativas que deverão realizar-se no fim do ano. São um teste para o Governo, pois o PSOE tem aparecido atrás do PP na maioria das sondagens, com o processo de reconfiguração da esquerda, com o surgimento do Sumar e com a possibilidade da irrelevância do Ciudadanos. Mas espera-se que contribuam para a clarificação do quadro político.

Espanha cumprirá três actos eleitorais este ano, começando agora com eleições em 12 das 17 regiões autónomas - assim como nas cidades autónomas de Ceuta e Melilla - e em todas as autarquias, para, daqui a cerca de seis meses, se realizarem as legislativas, o que faz com que as regionais e autárquicas deste domingo, 28 de Maio, sejam vistas como um teste ao Governo.

O PSOE, socialista, que venceu as eleições há quatro anos, mas que teve de se juntar ao Unidos Podemos - uma aliança de esquerda para pôr fim a um longo período de instabilidade política, com ajuda dos movimentos independentistas -, porque mesmo coligado não beneficia de uma maioria parlamentar, tem sido consistentemente ultrapassado pelo PP, de direita, nas sondagens.

“As eleições vão ser uma prova de vida do Governo, enquanto a oposição procura demonstrar que é uma alternativa. Tendo em conta a proximidade das eleições legislativas, elas acabam por ser inseparáveis”, diz ao NOVO Pedro Ponte e Sousa, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense.

“Há muita expectativa quanto a uma eventual projecção de resultados que clarifique o, por esta altura, muito confuso cenário político espanhol”, diz ao NOVO Paulo Sande, professor na Universidade Católica Portuguesa e especialista em temas europeus.

A crer nos estudos das intenções de voto para as legislativas, o cenário político actual mudou substancialmente face ao quadro parlamentar ainda vigente. O PP surge na frente na média das sondagens feitas desde Março, com diferenças que ultrapassam cinco pontos percentuais para o PSOE, traduzidas em 133 mandatos no Parlamento, mas insuficientes para garantir uma maioria. Por isso, Alberto Núñez Feijóo, líder dos populares desde Abril de 2022, deverá virar-se para o Vox, de extrema-direita, que se consolida como terceira força política e que, mesmo com a expectativa de uma menor representação parlamentar, poderá eleger 44 deputados, permitindo uma maioria absoluta.

“O PP constituiria governo com maioria absoluta nas Cortes, sem precisar de qualquer outro apoio, restando saber se o líder galego do PP se dispõe a fazer uma coligação - ou acordo de incidência parlamentar, ao estilo geringonça - com a extrema-direita de Santiago Abascal”, diz Paulo Sande, apontando que esta é uma coligação feita na Comunidade de Castela e Leão, onde o PP não teve maioria absoluta.

Ainda à direita regista-se o colapso do Ciudadanos, que luta pela sobrevivência nestas eleições, porque as sondagens mostram que poderá deixar de estar representado na câmara.

“Não me parece que o PP tenha ganhos muito significativos a tirar”, refere Pedro Ponte e Sousa. “Os governos do PP dos últimos anos deixaram uma enorme marca sobre a vida política nacional, e as tricas partidárias internas, bem como as acusações e condenações por corrupção, têm impedido um maior crescimento do partido”, aponta.

Mesmo assim, os estudos mostram que o PP está a conseguir preservar a base eleitoral das eleições de 2019 e a beneficiar da migração de eleitores do Ciudadanos, mas também do Vox.

À esquerda, o PSOE e o Podemos perdem peso, mas a grande alteração é o aparecimento, de rompante, do Sumar, a plataforma eleitoral criada, em Abril, por Yolanda Díaz, segunda vice-presidente do governo espanhol, militante do PCE e antiga coordenadora nacional da Esquerda Unida, que passou a constar das sondagens, surgindo com 10,5% das intenções de voto, traduzidas em 27 deputados, ou seja, registando uma posição idêntica à que tinha o Unidos Podemos nos estudos no primeiro trimestre, afirmando-se como a quarta força política e empurrando o movimento de Ione Belarra para o quinto lugar, com pouco mais de 7% das intenções de voto.

Mesmo assim, o bloco das esquerdas, no quadro das últimas sondagens, que já incluem o Sumar, afirma-se como uma alternativa ao bloco da direita, reunindo ambos cerca de 44% das intenções de voto.

“À esquerda, PSOE, Sumar e Unidas Podemos repartem o voto e esperam pelo melhor, a começar por sondagens e, depois, resultados que permitam continuar a experiência da governação à esquerda da presente legislatura. À direita, o resultado do PP - e o crescimento do partido, sob Feijóo, após anos de recuos e enfraquecimento - será muito importante para permitir a alternância esquerda-direita, mas dificilmente o partido poderá chegar à Moncloa sem a contribuição do Vox”, diz Paulo Sande.

Três regiões em destaque

Nas regionais e nas autárquicas deste 28 de Maio há plebiscitos mais importantes que podem traduzir-se em mudanças que terão leitura nacional.

“O mais decisivo será o desempenho eleitoral do PSOE nas regiões sob seu governo - Comunidade Valenciana, Aragão, Astúrias, Baleares, Rioja, Castela-La Mancha, Navarra, Extremadura e Canárias. Será nestas que se conseguirá perceber de forma mais cabal se há ou não um decréscimo do apoio ao Governo que se traduza em resultados eleitorais”, diz Ponte e Sousa. “Um exemplo da tentativa do PSOE de, simultaneamente, procurar responder aos problemas vividos pela sociedade espanhola e reforçar a sua posição eleitoral passa pelas medidas de apoio à habitação, privilegiando jovens e famílias com filhos menores, ao pagar parte da entrada do empréstimo para a casa, algo que, aliás, já tinha sido proposto pelo PP e implementado pelo PP a nível regional, por exemplo, na Galiza”, acrescenta.

Das 12 comunidades autónomas que vão a eleições, o PSOE governa nove - Aragão, Astúrias, Baleares, Canárias, Castela-La Mancha, Comunidade Valenciana, Extremadura, Navarra e Rioja -; o PP, duas - Madrid e Múrcia -; e o Partido Regionalista da Cantábria, uma, a Cantábria.

Os estudos indiciam que as regiões onde o resultado está mais em aberto são as de Aragão, Baleares e Comunidade Valenciana, todas actualmente lideradas pelos socialistas.

Em Aragão, as sondagens apontam vitória do PP, sem maioria, mesmo em aliança com o Vox. O PSOE torna-se a segunda força no parlamento regional, mas sem conseguir governar, mesmo com o apoio do Podemos, do Chunta aragonês e do Partido Aragonês, que permitiram a actual solução de governo.

Nas Baleares, a situação é semelhante, porque os estudos apontam que o PP deverá ser o partido mais votado, mas sem conseguir a maioria absoluta, mesmo com o apoio do Vox. À esquerda acontece o mesmo com o PSOE, que não conseguiria reeditar uma solução de governo com o Unidos Podemos Més per Mallorca.

As diferenças entre os dois blocos são diminutas e os partidos regionalistas terão um papel a desempenhar.

Na Comunidade Valenciana, o PP é apontado como o provável vencedor das eleições, à custa do desaparecimento do Ciudadanos, podendo alcançar a maioria absoluta se coligado com o Vox, mas por uma margem muito curta. PSOE, Compromís e Unidos Podemos não conseguiriam reeditar uma solução de governo para uma terceira legislatura, mas a diferença poderá ser de um deputado, para um bloco ou para o outro.

Depois, na Comunidade de Madrid, espera-se para saber se Isabel Díaz Ayuso conquista uma posição que lhe permita governar sem o apoio do Vox, mesmo com as sondagens a indiciarem que a situação se manterá como está, com uma grande vitória do PP, mas a pouco da maioria absoluta.

“Num cenário político de grande volatilidade, com os inúmeros episódios mais ou menos violentos, mais ou menos escabrosos, sucedidos em Espanha, nomeadamente no agitadíssimo ano de 2022, com cada vez mais acusações de corrupção, crise económica e casos múltiplos, entre Governo - e a impopularidade crescente de Sánchez - e oposição, a criarem instabilidade política e institucional, espera-se que este ano eleitoral possa contribuir para uma clarificação e apaziguamento de um país muito polarizado” diz Paulo Sande.

“A viragem à direita em Espanha parece em vias de ser confirmada, um pouco à semelhança do que tem sucedido noutros países europeus, e de vir a ser uma inspiração para outros países vizinhos”, acrescenta.

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