Roman Abramovich: o nosso compatriota multimilionário

Portugal, onde os ricos costumam ser alvo de anátemas, concedeu a nacionalidade a um multimilionário russo sem um sussurro de polémica interna. Aconteceu em Abril, mas só houve celeuma a partir das críticas agora feitas pelo mais célebre opositor de Vladimir Putin, recém-galardoado com o Prémio Sakharov, do Parlamento Europeu. Alexei Navalny, preso político em Moscovo, diz que a cidadania portuguesa atribuída a Roman Abramovich, por supostas ligações a judeus sefarditas expulsos por D. Manuel I em 1497, se deve a “malas cheias de dinheiro” que a pagaram.

O ministro dos Negócios Estrangeiros viu-se forçado a reagir face às acusações de Navalny, que classifica Abramovich como “o oligarca mais próximo de Putin que conseguiu enfim encontrar um país onde fazer pagamentos semi-oficiais para acabar na União Europeia”, em alusão ao facto de o magnata passar a movimentar-se sem restrições no espaço comunitário. Augusto Santos Silva esclareceu que a concessão de nacionalidade “segue os habituais escrutínios que são de lei”, sem interferência política.

Roman Arkadievich Abramovich, 55 anos, é celebridade mundial desde 2003, quando adquiriu o Chelsea, decadente clube londrino, logo transformado numa das potências do futebol, com a conquista de cinco campeonatos ingleses e três Ligas dos Campeões. Sabe-se que integrou o exército soviético. Em 1992 foi detido na Rússia por alegadas transacções ilegais. Durante o mandato de Boris Ieltsin, acumulou fortuna ligada aos processos de privatizações. Residente há duas décadas no Reino Unido, não possui nacionalidade britânica. Em 2016, a Suíça negou-lhe visto de residência. Além de russo, é israelita desde 2018. A revista Forbes elegeu-o como o 142.º indivíduo mais rico do planeta.

A nossa lei da nacionalidade, revista em 2015, permite considerar portugueses os descendentes dos judeus daqui expulsos no século XVI. Abramovich afirma ter descoberto ancestrais sefarditas. Fez o pedido em Outubro de 2020, recebeu luz verde do Ministério da Justiça seis meses depois. Com parecer favorável da Comunidade Judaica do Porto (CJP).

É duvidoso que cumpra os requisitos da lei: ter apelido português, dominar a língua ladina (falada pelas comunidades hebraicas oriundas da Península Ibérica) ou manter efectiva ligação ao nosso país. O facto é que se tornou um dos 32 mil portugueses naturalizados em seis anos ao abrigo da nova cláusula legal - 88% dos quais, segundo noticiou o Público, têm sido encaminhados pela CJP para a Conservatória dos Registos Centrais.

Eis um coleccionador de iates de luxo e jactos privados subitamente transformado no mais rico dos nossos compatriotas. Sem aqui residir nem falar uma palavra do idioma de Camões. Graças à purga retroactiva de pecados históricos expiados quinze gerações depois.

Passamos o tempo a discutir minudências e quase ninguém fala disto: a nacionalidade portuguesa hoje posta em leilão por factos ocorridos há meio milénio. Dificilmente um país assim é levado a sério. Não só pelos de fora, mas pelos que cá vivem.

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