Ainda António Costa era líder da oposição, após conquistar a liderança do PS a um António José Seguro a quem associou o ónus de “vitórias poucochinhas” e sem saber que se tornaria primeiro-ministro na sequência de uma derrota nas legislativas de 2015, quando um almoço com o então governador do Banco de Portugal definiu as relações entre homens apenas ligados pela coincidência de apelido.
Como é relatado pelo jornalista Luís Rosa no livro “O Governador”, sem que isso tenha sido desmentido pelo primeiro-ministro, o encontro com o governador do Banco de Portugal, que Passos Coelho acabara de manter em funções mais cinco anos, apesar de ter sido uma escolha de Teixeira dos Santos, ministro do governo socialista de José Sócrates, ficou marcado por uma frase de António Costa que “traça o paradigma do que será a relação entre o PS e o governador do Banco de Portugal até ao último dia do segundo mandato”.
“Eu tenho três problemas consigo”, terá começado por dizer o antigo presidente da Câmara de Lisboa, altura em que foi “vizinho” do banco central. A saber, segundo o que se lê em “O Governador”: o facto de o novo secretário-geral do PS ter sido “informado em cima da hora” da recondução de Carlos Costa; de este não ter escolhido Mário Centeno para director do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal; e, por último, mas sem menor relevância, “a existência de um alegado preconceito quanto a nomear pessoas próximas ou militantes do PS que eram quadros do Banco de Portugal”.
Uma relação de trabalho que assim começou dificilmente podia melhorar, sobretudo porque, após a queda do efémero segundo governo (agora minoritário) de Passos Coelho, António Costa tornou-se primeiro-ministro, com o respaldo da geringonça, e escolheu justamente Centeno para as Finanças. A comunicação entre ministro e governador depressa derivou para o zero, sucedendo-se contactos com outros responsáveis do Banco de Portugal.
Tal não impediu Carlos Costa de intervir em casos marcantes para a economia nacional, incluindo a resolução do Banif, que nos últimos dias gerou uma tensão política de consequências imprevisíveis, ou de ter recebido o telefonema em que o primeiro-ministro lhe terá dito, sobre Isabel dos Santos, que “não se pode tratar mal a filha do presidente de um país amigo de Portugal”. Ameaçado por António Costa com um processo judicial, o homem que deixou de ser governador em 2020, agora com 73 anos, esteve na terça-feira, rodeado por Cavaco Silva, Ramalho Eanes e Passos Coelho, a apresentar as suas memórias na Fundação Gulbenkian, que lhe deu a bolsa para se licenciar.