Limite da automação é difícil de prever, defende presidente da APDC

Congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) arranca esta quarta-feira. Ao NOVO, o presidente da associação, Rogério Carapuça, fala sobre o impacto das novas tecnologias na sociedade e sobre as mudanças que vão resultar desta revolução digital que, mais do que nunca, acontece a todo o gás.



“Tech and Economics: the way forward” é o nome do congresso da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) que esta quarta-feira começa. O objectivo, explica Rogério Carapuça, é focar no caminho em frente e em temas essenciais para o futuro sustentável do país.

Com a transformação digital a avançar a todo o gás e tecnologias, como o 5G, a serem agora implementadas no nosso país, o presidente da APDC explica, em entrevista ao NOVO, as novas realidades que se abrem e como podem estas moldar o futuro do trabalho.

O congresso da APDC acontece nos dias 11 e 12 de Maio, com o objectivo de discutir temas designados como essenciais para o futuro sustentável do país. De que temas falamos?
Vamos ter algumas intervenções na área mais futurista, vamos falar da transformação digital em geral, de temas como o 5G, cibersegurança e soberania digital. O congresso tem o título “Tech and Economics: The Way Forward” porque queremos focar-nos no caminho em frente, na área da tecnologia, e também na área da economia, porque a tecnologia influencia de forma significativa aquilo que se passa ou vai passar na economia.

A guerra na Europa surgiu numa altura em que os países, Portugal incluído, tentavam recuperar do efeito provocado pela pandemia. Que desafios acrescem às economias com esta nova crise?
Não sabemos ainda quais serão as verdadeiras consequências, mas temos todos os problemas que, de alguma forma, já tínhamos devido à pandemia: as dificuldades nas cadeias de abastecimento, nas cadeias de produção, e o custo da energia, agora agravado pela guerra. Todas estas transformações em simultâneo vão provocar, obviamente, grandes alterações na forma como se fazem os negócios e, portanto, na forma como a economia evolui.

As crises trazem desafios, mas também oportunidades. Quais são as que se abrem aqui?
Diria que não há negócio que não vá ser transformado, quer pela capacidade de processamento rápido que hoje temos, quer pelo volume de dados que vamos tendo para analisar em tempo real ou pelas aplicações sofisticadas. Não haverá nenhum negócio que fique igual. Quando há o estímulo de uma situação como o da pandemia, em que era necessário resolver um conjunto de problemas, tudo é transformado. Temos aqui um conjunto de lições a retirar e essas lições serão oportunidades muito grandes para o futuro.

E há tendências que vão também evoluir?
Naturalmente. Assistimos à criação de gigantescos negócios nas últimas décadas, negócios esses que tiraram partido do chamado modelo de plataforma e que, com a tecnologia digital, criaram empresas de dimensão extraordinária que têm hoje uma presença muitíssimo significativa no mundo. Temos, depois, tendências no sentido da desintermediação, ou seja, dos negócios chamados peer to peer, ou seja, sem intermediação. Em algumas áreas, isso poderá ter vantagens; noutras, ameaças, uma vez que põe em causa alguns intermediários que acrescentam valor. Perante estas grandes transformações nas profissões, na forma de fazer negócios e de fazer evoluir a actividade económica, nada ficará como antes.

É inevitável que certas profissões se percam e que novas surjam. As novas superam aquelas que se perderão?
Penso que sim, por uma razão simples: sempre aconteceu assim em todas as revoluções tecnológicas. Na Idade Média, praticamente toda a população mundial trabalhava na agricultura; com a Revolução Industrial, uma boa parte passou a trabalhar na indústria. A indústria começou depois a perder terreno para os serviços e a maior parte da população, hoje, trabalha nos serviços. Acontece que a automação que chegou à agricultura e à indústria começa a chegar também aos serviços e, portanto, os serviços terão de se deslocar para áreas mais de proximidade em termos humanos, e não em áreas transaccionais, porque estas, mesmo nos serviços, conseguem ser automatizadas facilmente.

A História mostra-nos que as máquinas são agora capazes de fazer tarefas que há uns anos se considerava inimagináveis. Qual será o limite?
É sempre difícil dizer qual é o limite. Normalmente, falha-se quando se aponta esse limite. A minha sensação é que os empregos do futuro serão relacionados com a parte mais humana e emocional do homem e menos transaccional, porque a transaccional é mais fácil de as máquinas fazerem e de os humanos aceitarem.

Ou seja, daqui a dez anos é expectável que empregos ligados à actividade fabril, por exemplo, desapareçam.
Por isso é necessário ir qualificando e requalificando pessoas para que estas se desloquem para as áreas em que é necessário muito talento e não há disponível. A agricultura é um bom exemplo... foi de tal forma mecanizada que hoje temos uma pequena parte da população a trabalhar na agricultura e esta é muito mais produtiva, ou seja, produz mais produto por unidade de tempo. O mesmo vai acontecer noutras áreas. O homem vai sempre ser necessário, mas a fazer coisas diferentes, e, para isso, tem de aprender coisas diferentes.

O que está a acontecer no sector das telecomunicações é um exemplo.
No nosso sector existe falta de pessoas e falta de talento. As empresas procuram recorrer a todo o tipo de imaginação para procurarem novos talentos e novas pessoas para trabalhar. Temos de procurar qualificar quem deixa de ter espaço noutras indústrias para poder ter uma carreira profissional interessante numa indústria como a nossa ou como outras que vão surgir.

Como se situa Portugal comparativamente com outros países?
Temos ameaças e oportunidades. Uma oportunidade muito grande é o facto de sermos um país muito agradável e, neste momento, é possível trabalhar a partir de Portugal para muitos sítios do mundo. Temos de tirar partido da atractividade do nosso país, do ponto de vista do clima, das próprias pessoas e da gastronomia. O risco é que os outros [países] estão a procurar fazer o mesmo e, muitas vezes, as pessoas também se deslocam para sítios onde existam projectos interessantes, ambiciosos e tecnologicamente evoluídos do ponto de vista do conteúdo do próprio negócio.

Portugal está a agir tão rápido quanto deveria nesse sentido?
Podemos dizer que temos de ser ambiciosos e nunca podemos estar satisfeitos. Há coisas boas que Portugal fez... por exemplo, tem hoje uma atractividade grande para startups. Mas o nosso ecossistema de startups pode ser melhorado e esse ecossistema não são só as próprias empresas, mas também todas as instituições que têm de existir à volta delas para que o ecossistema seja vibrante. Há aí muito espaço para melhorarmos.

O 5G, o metaverso e a realidade aumentada/virtual são temas em foco neste congresso. Que novas realidades trazem estas tecnologias?
É fundamental falar do 5G porque está a ser colocado no terreno e, como todas as tecnologias, permite novas aplicações e melhorias de serviço nas aplicações existentes que temos de saber explorar. Além disso, a maior largura de banda que o 5G nos traz e as latências mais baixas permitem que os temas da realidade virtual ganhem outra dimensão.

Como perspectiva este novo espectro de mundo?
O tema da transformação digital está por trás de tudo. Ou seja, todos os negócios vão ser transformados - mais rápida ou mais lentamente - pelas várias tecnologias. A questão é saber como vai acontecer em cada área, em cada negócio, e quais os negócios futuros que vão existir.

Relativamente ao 5G, a forma como o leilão foi conduzido em Portugal prejudicou o país?
Claro que sim, mas agora não é o momento de olharmos para o retrovisor. Interessa recuperar o tempo perdido e transformar em oportunidades as vantagens desta nova tecnologia.

A democracia na era digital é mais frágil?
A democracia é sempre frágil. Como podemos ver agora, com estes acontecimentos recentes na Europa, mas também por aquilo que tem acontecido em vários países relativamente à forma como a tecnologia pode ser utilizada para manipular opiniões ou produzir resultados eleitorais diferentes do que seria o normal se isso não fosse feito.

Como pode isso ser colmatado?
As pessoas têm de ter uma literacia digital muito mais elevada para poderem estabelecer-se neste novo mundo. As ameaças são hoje diferentes. Nada substitui a vantagem ou a necessidade dessa mesma literacia mais elevada. Não vai existir um sítio onde está escrito qual é a verdade; vai haver é a capacidade de as pessoas se saberem orientar, saberem verificar de onde vêm as notícias, quais as fontes, se parecem credíveis e como podemos proteger-nos em toda a linha das ameaças que a má utilização das tecnologias pode trazer. As formas de distorcer a realidade vão ser cada vez mais sofisticadas. Por isso, a forma de nos protegermos é sabermos entender o que se está a passar à nossa volta também de forma cada vez mais sofisticada.

Como vê a compra do Twitter por Elon Musk?
A nossa liberdade individual tem de existir, mas termina quando começa a liberdade dos outros. Se criarmos um sistema que permite que qualquer pessoa escreva o que quer, eventualmente agredindo outras e deturpando a verdade, não estamos a fazer um bom serviço à democracia. Temos de ter cuidado com a utilização da tecnologia e com estes anúncios de que tudo vai ser mais livre.

Quais são os principais desafios dos próximos anos?
O grande desafio é perceber como é que as tecnologias de informação e comunicação podem ser usadas para o bem da humanidade e como podem ser limitados os estragos que qualquer tecnologia, se mal usada, consegue fazer. E como podemos fazer crescer a literacia nas qualificações e na cultura das pessoas de forma suficientemente rápida para que saibam proteger-se de todas as ameaças, mas também tirarem partido de todas as oportunidades que esta revolução tecnológica traz.

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