Criptomoedas, blockchains, NFT: afinal, do que é que se trata?

Estão a captar a atenção de milhões de pessoas, mas nem sempre é fácil entender o que significam ou como funcionam. O NOVO procura desmistificar os conceitos básicos deste novo universo económico.



Duas notas de 20 euros têm o mesmo valor, são substituíveis e cumprem igual função. O mesmo se aplica às criptomoedas: uma décima de bitcoin é igual a outra décima de bitcoin qualquer. A situação é diferente quando falamos de NFT (non-fungible tokens, em inglês, ou tokens não fungíveis), aos quais, através da tecnologia blockchain, é possível atribuir unicidade.

Os NFT permitem, por exemplo, que seja proprietário das jogadas mais famosas na NBA ou de uma obra digital do artista Vhils. Isto significa que mais ninguém poderá ver esses activos? Não, toda a gente pode ter uma cópia, mas o original e os direitos terão um proprietário, estando isso certificado através de uma blockchain, que é normalmente Ethereum.

A comercialização de obras com NFT tem vindo a disseminar-se rapidamente. Em Março deste ano, uma colagem digital do artista Beeple foi vendida num leilão online por 58,4 milhões de euros. Ao adquirir uma obra digital, o proprietário pode depois vendê-la, mas, segundo Filipe Garcia, economista e analista na Informação de Mercados Financeiros, o que está em causa não é tanto ser rentável, mas, sim, a sua propriedade. “Simplesmente, sou o dono e posso dizer que sou o dono”, explicou ao NOVO.

Apesar de nos últimos tempos estes conceitos terem feito correr muita tinta e de estarem a atrair milhares de pessoas, nem sempre é fácil compreender este universo. De uma forma sintetizada, a blockchain é uma base de dados descentralizada que permite o registo de operações e transacções de criptomoedas. Os NFT, por sua vez, são uma espécie de certificado de autenticidade ou de registo de posse de alguma coisa.

Podemos definir as criptomoedas como activos digitais, assentes numa tecnologia chamada blockchain, que normalmente não tem valor intrínseco. Mas qual a vantagem destes activos digitais? Ao NOVO, Filipe Garcia explica que as criptomoedas resolvem, em alguns aspectos, problemas que a moeda comum não resolve.

“Por exemplo, através das criptomoedas, não preciso de intermediários nas minhas transacções. Isto não é muito relevante se quiser enviar dez euros a alguém. Para isso tenho o MB Way. Mas é relevante se quiser enviar dinheiro para uma pessoa de um país com outra moeda. Nesse caso, actualmente, não consigo fazê-lo de forma imediata e sem custos ou custos baixos”, exemplifica.

Tudo isto é possível devido à tecnologia blockchain, que pode ser usada para a gestão de criptomoedas e NFT, mas não só. Permite também garantir a validade de contratos digitais ou impedir a falsificação de documentos. O analista de mercados financeiros vê a blockchain como “uma plataforma de descentralização da confiança”, na qual, ao contrário de outras tecnologias, não é possível alterar nada e não há uma entidade responsável.

“Quando estou a fazer a compra e venda de um carro, por exemplo, há sempre um momento de fé. A blockchain permite-me fazer um smart contract (contrato inteligente), de maneira a que a propriedade só se altere quando o dinheiro estiver na conta”, observa.

Este tipo de descentralização retira força às instituições e dá poder ao indivíduo. Mas de que forma está a influenciar a economia? As repercussões não são ainda claras, mas Miguel Pupo Correia, professor no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, acredita que a blockchain traz duas coisas novas fundamentais: “A possibilidade de descentralização e a possibilidade de fazer pagamentos de forma automática e rápida sem envolver outras organizações.”

Toda esta revolução, defende Filipe Garcia, está a alertar os bancos centrais, aqueles que gerem o dinheiro tradicional, para a necessidade de melhorar e alterar os sistemas financeiros convencionais.

A ideia de que os bancos possam um dia vir a ser substituídos, caso se generalize o uso das blockchains e de criptomoedas, é, em teoria, possível. Contudo, Miguel Pupo não acredita que tal venha a acontecer. “Além de que seria necessário ganhar uma confiança gigantesca, há problemas legais. Os governos têm o poder de deixar isto singrar ou de boicotar a sua evolução. Por exemplo, criando impostos. Em Portugal, neste momento, não há impostos em relação à compra e venda de criptomoedas, mas se o Governo dissesse agora que há impostos de 50%, morria”, defende.

O que se segue?

El Salvador, na América Central, tornou-se em Setembro o primeiro país a adoptar a bitcoin como moeda de curso legal, mas o impacto que estes activos digitais terão na sociedade e na economia permanece ainda incerto. Retroceder-se-á? “Acho que é algo que já não volta atrás. Aos poucos, os grandes bancos centrais estão a aperceber-se de que há um conjunto de vantagens ou de atributos das criptomoedas que podem ser aproveitados para as moedas convencionais e é esse o caminho, creio, que vamos seguir”, defende o analista de mercados financeiros.

Já Miguel Pupo Correia salienta que há muito poucos sistemas e muito poucas coisas na sociedade descentralizadas, ou seja, em que não se confia numa entidade para nos fornecer um serviço. “Aqui, isso surge pela primeira vez. Quais as organizações e o tipo de coisas que podem surgir que beneficiem dessa descentralização? Ainda é difícil de perceber”, remata.

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