Memória silenciada

O registo narrativo do autor francês eleva esta obra curta mas de grande pujança - sem dúvida, um dos melhores romances que se publicarão em Portugal este ano.

Sem constar da lista de finalistas, acabou por vencer o Prémio Goncourt para romance de estreia em 2016. “Dos Nossos Irmãos Feridos”, de Joseph Andras, agitou as águas em França. Afinal, fala do passado colonial do país, dos traumas da Guerra da Argélia e do silêncio do Estado francês.

A partir de Argel, 1956, ficamos a conhecer a história verídica de Fernand Iveton, operário pied-noir, comunista e independentista. Detido e torturado, foi o único europeu guilhotinado pelo regime francês durante a guerra, que duraria até 1962. Tudo porque colocou um engenho explosivo na fábrica onde trabalhava, com o intuito de causar apenas danos materiais. Foi preso ainda durante o seu turno desse dia e, apesar de a bomba não ter chegado a explodir, acabaria executado.

Em duplo sentido, o romance de Andras é um profundo exercício de resgate de memória: recupera a história de Iveton, que chegou mesmo a contar com uma tentativa de intervenção para o salvar por parte de Albert Camus e de outros intelectuais europeus; e, de forma marcadamente política, dá um novo fôlego à reflexão pós-colonial.

O registo narrativo do autor francês eleva esta obra curta mas de grande pujança - sem dúvida, um dos melhores romances que se publicarão em Portugal este ano. Andras relata a experiência de prisão, tortura e julgamento de Iveton, que intercala com a história da sua mulher, Hélène, que até ao fim o acompanha na sua luta por outra justiça que não a morte.

O autor escreve num registo perto da oralidade, com diálogos metidos sem marcação a meio dos parágrafos. Também por esse registo se percebe como o seu romance de estreia é contado sob o signo da urgência: para que se olhe para o passado e não se cometam os mesmos erros no futuro; para que a memória não seja silenciada pela força de uma guilhotina; para que a biografia trágica de Iveton não seja apenas um caso, mas um alerta contínuo contra a injustiça.

Dos Nossos Irmãos Feridos. De Joseph Andras (ed. Antígona) Tradução dee Luís Leitão

*As escolhas semanais de Cláudia Sobral, Pedro João Santos, Susana Bessa e Ricardo Ramos Gonçalves

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