1. Dos Nossos Irmãos Feridos, de Joseph Andras (Antígona)
Quando em 2016, venceu o Prémio Goncourt para romance de estreia, Joseph Andras voltou a colocar o passado colonial francês em cima da mesa. A história que contava ambientava-se em Argel, em 1956, e tinha Fernand Iveton, operário pied-noir comunista e independentista como seu protagonista. Detido e torturado, foi o único europeu guilhotinado pelo regime francês durante a guerra, que duraria até 1962. Tudo porque colocou um engenho explosivo na fábrica onde trabalhava, com o intuito de causar apenas danos materiais. Foi preso ainda durante o seu turno desse dia e, apesar de a bomba não ter chegado a explodir, acabaria executado.
Publicado em 2021 em Portugal, este diamante em bruto, de registo curto e singular, próximo da oralidade, vive sob o signo da urgência: serve para que se olhe para o passado com vista a que não se cometam os mesmos erros no futuro; para que a memória não seja silenciada pela força de uma guilhotina; para que a biografia trágica de Iveton não seja apenas um caso entre outros, mas um alerta contínuo contra a injustiça. É o mais original e notável livro publicado em Portugal este ano. R. R. G.

2. Shuggie Bain, de Douglas Stuart (Alfaguara)
Não há muitos romances de estreia assim. O autor escocês, até há bem pouco tempo desconhecido, publicou e logo venceu o Man Booker Prize 2020. E a verdade é que “Shuggie Bain” é um monumento literário: a criação de um universo marcante, que regressa à Glasgow dos anos 80 de Thatcher, retrato de uma sociedade onde impera a violência, mas também o amor. A história de Hugh “Shuggie”, que cuida da sua mãe alcoólica, é sem dúvida uma das melhores narrativas familiares dos últimos anos. Um livro sobre o amor filial, sobre a autodescoberta e sobre a redenção que se pode encontrar nas situações mais adversas. R. R. G.

3. Poemas, de António Franco Alexandre (Assírio & Alvim)
Numa época em que tantas vezes se reúnem obras poéticas de escritores mortos, reunir a de um poeta vivo, sobretudo com a dimensão filosófica e expansividade narrativa de António Franco Alexandre, é sinal de que ainda é possível erigir monumentos aos que mais fazem pela letras portuguesas na actualidade. A reunião completa da sua poesia (pela segunda vez, mas desta feita com vários inéditos) é a demonstração manifesta de como a sua escrita se mantém inesgotável e incomparável. R. R. G.

4. Olhar para Trás, de Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara)
Através da narrativa de uma família arrastada pelas forças da História, o escritor colombiano regressou ao passado, em concreto à história recente do seu país. Escolheu fazê-lo regressando ao passado familiar do realizador Sergio Cabrera, num retrato do século XX marcado por guerras, doutrinas políticas e diferentes formas de resistência. Os fantasmas do passado dominam aquele que é um dos melhores romances do ano e funcionam como diagnóstico numa leitura sobre o presente. É a sua afirmação definitiva como uma das vozes mais aclamadas do panorama literário latino-americano. R. R. G.

5. Integrado Marginal, de Bruno Vieira Amaral (Contraponto)
É o retrato singular e definitivo de uma das figuras mais destacadas das letras portuguesas. Escrita por outro renomeado romancista português, “Integrado Marginal” é o verdadeiro exemplo daquilo que uma biografia pode e deve ser. Com ela, a obra de Cardoso Pires volta a iluminar-se, desconstroem-se ideias feitas sobre o autor de “O Delfim” e traça-se um retrato essencial sobre a literatura portuguesa do século XX. O trabalho investigativo e sério do seu autor, a par da escrita coloquial e escorreita, fazem desta biografia um objecto notável e obrigatório sobre a história recente do país. R. R. G.

6. A Fúria e Outros Contos, de Silvina Ocampo (Antígona)
A publicação do mais famoso livro de contos deste nome muitas vezes oculto das letras latino-americanas permite-nos a melhor das entradas no seu universo onírico e intemporal. R. R. G.

7. Pão Seco, de Muhammad Chukri (Antígona)
Cresceu a falar rifenho, só aos 20 aprendeu a ler, mas em árabe escreveu o incontornável “Pão Seco”. Um cru e perturbador relato autobiográfico do outro lado da romantizada Zona Internacional de Tânger. C. S.

8. Intervenções, de Michel Houellebecq (Alfaguara)
A extensão que faltava para melhor entendermos aquele que, com as suas visões de mundo muitas vezes polémicas, é o maior romancista francês da actualidade. R. R. G.

9. Herança, de Vigdis Hjorth (Livros do Brasil)
Tecido da autoficção norueguesa, honra o trauma da vítima que pára de sussurrar a verdade, exemplificando a opressão na falta de acção. Um assalto literário ao colectivo que silencia a voz isolada. S. B.

10. Teatro Completo, de Samuel Beckett (Edições 70)
É a antologia definitiva da obra de um dos maiores dramaturgos de sempre, numa tradução que junta alguns dos maiores encenadores e dramaturgos portugueses. R. R. G.
