Na Lagoa, em São Miguel, há uma freguesia chamada Água de Pau, ninguém sabe muito bem porquê. Deste lugar com este nome há registos pelo menos do início do século XVI. “Segundo alguns, [porque] indo por ali os antigos descobrindo a costa do mar, acharam uma ribeira que caía de um alto e não sabiam determinar se era pau, se água.” Chegaram-se mais perto e viram: era afinal, segundo parte da história oral reproduzida por Gaspar Frutuoso no quarto tomo de “Saudades da Terra” (1998), “água que corria por um pau que ali estava derribado”. Mas há outras explicações. Chegados aqui, à falta de uma lenda acabada que fosse para o nome da freguesia, a dupla de artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira decidiu abrir espaço para uma nova. E dar razão de ser ao mito. Do pau literal passaram ao pau-calão, deram-lhe forma física em duas esculturas de bronze e, junto de uma queda de água para fins agrícolas, mandaram abrir, com a devida autorização camarária, outras duas, para uma nova fonte.
Nos trabalhos de instalação, a dias do arranque da décima edição do Walk&Talk, festival de artes que decorre anualmente na ilha de São Miguel e que comissionou a obra, imaginavam-se já mitos futuros. Como o pau das histórias narradas por Frutuoso, também nesta parede banal, apontando o trilho para a Janela do Inferno, as duas esculturas ao longe passam por duas simples bicas. Enterraram-nas na parede, para que talvez um dia, talvez daqui a outros 500 anos, o tempo, o segredo e o mistério possam contribuir para a origem de mais um mito - que talvez venha dali a toponímia da vila - e para que hoje nos questionemos sobre a forma como se vai construindo, contando e recontando a História.
O primeiro embate
A história que os trouxe até aqui começou há dez anos, quando dois miúdos da ilha - Jesse James e Diana Sousa - tiveram a ideia de fazer um festival em São Miguel. Atiraram o barro (no caso, as tintas) à parede e conseguiram junto da Direcção Regional da Juventude um apoio de 20 mil euros para fazer um festival de arte pública, que teve o seu primeiro dia a 30 de Julho de 2011. “Na altura, o festival acontecia no final. “Estávamos em plena crise, era o último ano do Governo do Carlos César, tínhamos 22 anos. A Direcção Regional da Juventude pode não ter entendido em pleno o que era a proposta, mas teve a visão de perceber que aquilo poderia vir a transformar-se nalguma coisa”, recorda Jesse, que se mantém na direcção artística do festival, agora com Sofia Carolina Botelho, que se juntou ao festival em 2013 e à direcção em 2016.
“Lembro-me muito bem disso”, diz sobre esses primeiros anos de Walk&Talk. “E lembro-me da inquietação e da resistência de muitos: ‘Mas o que é isto? O que é que vão fazer? Temos de ter noção do que é que vão fazer!’ Mas eu gosto da irreverência. Em São Miguel não havia nada, naquela altura foi um projecto completamente embrionário. Numa primeira fase, em vez de chamar pessoas para a arte, é fazer chegar a arte às pessoas. Nem tudo correu sempre bem, mas diria que, ao longo dos anos, 95% das coisas correram bem. Uma delas foi uma da ciclovia pintada no piso, sem necessidade de obra. Foi experimental.”
Experimentação foi desde a primeira hora a palavra de ordem seguida pelo festival que queria pôr a ilha a mexer - e a discutir. Anda e Fala é, até hoje, o nome da associação criada para organizar o Walk&Talk, cuja história se confunde com os últimos dez anos da história de São Miguel, que a cada Verão passou a transformar-se por duas semanas. A reportagem pode ser lida na íntegra na edição em papel do NOVO de 30 de Julho.
