O tema da mobilidade está na ordem do dia e uma questão que se coloca sobre este ecossistema é: um futuro sem carros será realista? Quando falamos de mobilidade, é necessário ter em conta os diversos atores que participam no setor – consumidores e clientes empresariais, construtores, marcas, comerciantes e oficinas, instituições financeiras, empresas de aluguer de mobilidade, plataformas digitais, o Estado, entre outros – sendo que alguns podem mesmo desempenhar mais do que um papel.
Comecemos por caracterizar a realidade das famílias portuguesas: maioritariamente habitam nas periferias dos principais centros urbanos, têm que se deslocar para a empresa pois o teletrabalho não é uma realidade transversal e homogénea… Dependendo do setor em que trabalham e da “tipologia” das famílias (com ou sem filhos), as diversas realidades conduzem a uma diferente abordagem à mobilidade. Por outro lado, a falta de resposta da rede de transportes em algumas localidades leva, muitas vezes, à necessidade de utilização de um automóvel ou uma moto. Por último, não podemos deixar de ter em conta a ideia de que existem (muitos) cidadãos que gostam das vantagens oferecidas por estes veículos, gostam de os conduzir ou do conforto e flexibilidade que proporcionam na deslocação.
Há, ainda, que ter em consideração as principais tendências do setor. O financiamento deste mercado vale sensivelmente 3 mil milhões de euros, sendo que o financiamento de viaturas diminuiu cerca de 7% entre maio e junho de 2023 e os carros usados representam 2/3 deste mercado. Outro dado importante, da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), mostra que a venda de carros novos cresceu 42% no primeiro semestre de 2023 comparativamente ao período homólogo. A grande novidade é: quase metade destas novas compras (46,5%) corresponde a veículos movidos por energias alternativas. Podemos assim afirmar que, entre veículos novos e usados, atualmente verifica-se uma tendência crescente e muito significativa na procura de formas de motorização mais ecológicas.
No que concerne à oferta de mobilidade suave – motos e bicicletas elétricas, bicicletas e trotinetas –, verifica-se também um crescimento, a par de um aumento do recurso às modalidades de aquisição com financiamento ou aluguer. Paralelamente, os dados mais recentes divulgados pelo Observador Cetelem Automóvel 2023 revelam que os portugueses estão também a complementar a utilização do seu carro com outras formas de transporte (48%), sobretudo transportes coletivos, mas também modos de mobilidade suave, ainda que de forma menos expressiva.
À luz do ceteris paribus, – expressão em latim usada em Economia sobre o método de análise aos comportamentos dos mercados em que apenas uma variável se move, ficando as restantes fixadas – sabemos igualmente que o futuro mais ou menos próximo trará uma redução nos preços. Se tudo o resto ficar constante, poderemos então dizer que assistimos à clara viragem do atual panorama da mobilidade nacional? Acreditamos que sim.
Neste caminho, o Estado está a fazer por garantir uma rede de transportes públicos verde e mais eficaz, trabalhando para atingir a meta europeia de disponibilizar, até 2026, postos de abastecimento elétricos a cada 60 quilómetros nas principais estradas, e a cada 100 quilómetros para os de hidrogénio até 2028, e oferendo incentivos fiscais a quem opta por um carro destas gamas. Paralelamente, outros atores fundamentais rumam à diminuição da pegada ecológica da mobilidade, assegurando, por exemplo, que os novos veículos são cada vez mais sustentáveis e que o seu preço – ainda elevado para a maioria dos agregados – deixe de ser um travão, para que estas viaturas passem a ser acessíveis para todos.
Tendo em conta estas considerações, podemos tirar algumas conclusões. Primeiro, a construção de uma mobilidade enquanto pilar do desenvolvimento urbano sustentável requer a colaboração de diferentes entidades.
Depois, as opções de mobilidade dos cidadãos dependem dos contextos e dos seus utilizadores. Assim, poderemos dizer que, um futuro sem carros, ainda não será uma realidade que possamos ver no horizonte, pois está dependente de alterações profundas e culturais às estruturas existentes, à organização social, familiar e do trabalho.
Em terceiro, será seguro afirmar que, no que toca à mobilidade, todos os seus pilares são essenciais para alicerçar o nosso futuro: viatura própria, transportes públicos e meios de locomoção leves. Juntos, complementam-se e garantem robustez ao desenvolvimento sustentável urbano e não urbano, porque permitem as ligações em rede das pessoas e das famílias, entre as suas casas, os locais de trabalho, de estudo e de lazer.
Quanto às instituições financeiras, cabe-lhes continuarem a fazer a sua parte: acompanhar as necessidades dos portugueses.
Pedro Nuno Ferreira, Mobility & Group Synergies Director, Cetelem – BNP Paribas Personal Finance